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A ESPIRITUALIDADE DE SANTO AGOSTINHO DE HIPONA

A ESPIRITUALIDADE DE SANTO AGOSTINHO DE HIPONA

Contexto Histórico e Teológico do tempo de Santo Agostinho

Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste (Numídia) no dia 13 de novembro de 354, primeiro filho de um funcionário municipal, Patrício, e de Santa Mônica. É ele o último padre da Patrística e o primeiro da Idade Média. Nos estudos, Agostinho cursou primeiramente em sua terra natal (Tagaste) continuando em Madaura e posteriormente em Cartago. Em 372 teve um filho chamado Adeonato com uma jovem que desconhecemos o nome nos registros, mas alguns historiadores afirmam que se chamava de Melânea. Foi professor de retórica em Cartago e depois em Roma, e, por indicação do prefeito romano, Símaco, Obteve a cátedra oficial de mestre em Retórica em Milão. De 375 a 383 já o inquietavam agora fortes dúvidas sobre a verdade do maniqueísmo após ser ouvinte destes.

Estando em Milão, travou conhecimento com o neoplatonismo. Ao mesmo tempo ouvia regularmente os sermões de Santo Ambrósio, onde percebia um catolicismo mais sublime do que o imaginado. Ambrósio ajudou Agostinho na compreensão do neoplatonismo em comparação com o cristianismo em suas similaridades[1]. Fez-se batizar no sábado santo de 387, com seu filho e alguns de seus amigos por Ambrósio. Pouco tempo depois tornou-se presbítero e por fim, bispo de Hipona.

Nascido no século IV, Agostinho faz parte da geração que sucedeu ao fim das perseguições e o acesso da Igreja à liberdade plena. É uma época marcada por grandes heresias, como o arianismo e suas sequelas que provocaram os primeiros Concílios, Niceia em 325 e Constantinopla em 381, e suas confissões de fé. Em 410, o mundo romano perplexo, toma conhecimento da tomada de Roma por Alarico e da pilhagem da Cidade Eterna por seus comparsas[2]. Esse acontecimento trágico provoca a fuga de muitos romanos para África ocasionando ataque dos pagãos contra a religião cristã: “se Roma caiu, foi porque abandonou seus deuses pelo cristianismo”. Para refutar essas acusações, Agostinho vai escrever sua grande obra, De Civitate Dei, que extrapolando seu objeto principal, traça um quadro de toda a história humana disposta em torno do antagonismo entre duas cidades, a Cidade de Deus movida pelo amor de Deus até o desprezo de si, e a cidade terrestre, guiada pelo amor de si até o desprezo de Deus. Em 396 Agostinho sucede a São Valério na Sé de Hipona. Ele se encarrega imediatamente da luta contra os donatistas que começou em Catargo no início dos anos 400 com Donato. Em 411 Agostinho, novamente, por amor a Igreja fundada por Jesus e entregue a Pedro, retoma a luta com os pelagianos, a qual se dedicará em combatê-los até o fim de sua vida.

Contextualização da Espiritualidade de Santo Agostinho

No campo espiritual, o século IV também conhecerá uma transformação importante da qual fará parte Santo Agostinho. Os historiadores mostraram como a espiritualidade monástica substituiu o ideal do martírio[1]. Talvez tenha sido menos enfatizada a passagem do qual Agostinho será o principal artesão no Ocidente. É possível constatar essa mudança ao comparar a interpretação das beatitudes de Santo Ambrósio e de Santo Agostinho. Para o bispo de Milão, as beatitudes representam os oito graus do avanço progressivo da vida cristã, desde a humildade até a coroa do martírio. Aqui explica-se o surgimento do ideal da sabedoria que substituirá o do martírio, que não poderá mais desempenhar o mesmo papel na Igreja, após o término das perseguições. Mas ele se fixará e se desenvolverá apenas na humilde meditação das Escrituras cristãs, especialmente as epístolas de São Paulo, como a primeira aos Coríntios, que revela aos humildes a sabedoria de Deus oculta aos sábios deste mundo. A vida de Santo Agostinho será uma busca pela sabedoria. Sua explicação das beatitudes já nos revela o espírito que acompanhará suas grandes obras.

Podemos dizer sobre a espiritualidade agostiniana que é um método que liga a Deus pela via da meditação, silêncio, ouvir o coração e ouvir-se; logo em seguida, colocar o que foi meditado em prática por meio do trabalho. É um caminho que proporciona um voltar para dentro de si mesmo, buscando da Verdade para que, encontrando-a permaneça nela[3].

A experiência espiritual proposta por Santo Agostinho pode ser sintetizada da seguinte forma: busca intensa da Verdade – de Deus; e, tendo-O encontrado, a ele dedicar-se inteiramente em comunhão com os irmãos. Quer dizer, a busca de Deus, para Agostinho, identifica-se com a busca da Verdade. Mas não diz respeito somente a quem busca verdades sobre as coisas boas, ou a quem ainda não tem fé, nem a quem ainda não encontrou em Cristo a verdade de sua existência. Também não se trata unicamente de atividade do pensamento, como mera atividade filosófica, mas trata-se de uma atitude de fé em constante busca de Deus; é uma realidade existencial; envolve mente e coração; o ser em sua totalidade em empenho constante de busca. É adquirir uma estreita relação com a Palavra de Deus, uma intensa vida de oração, buscar dignificar a liturgia e celebrá-la bem como um lugar da manifestação de Deus.

Devemos olhar este método de busca proposto pelo Doutor da Graça e perguntar: Mas como buscar e onde encontrar Deus? Pela via da interioridade, diz Agostinho, mediante a contemplação. A interioridade é, então, um movimento para dentro de si mesmo, não para exercitar o movimento dos próprios pensamentos, mas para ouvir-se, ver-se e, ao se encontrar a própria mutabilidade, sair de si mesmo para ascender à luz de sua razão, aquele que a ilumina e lhe fala na consciência[4]. É praticar um exercício bem simples e disciplinar que norteia toda a vida: ouvir mais, falar menos e se colocar a caminho das necessidades da Igreja.

O exercício da interioridade agostiniana é, então, em seu processo de busca, libertação da escravidão das coisas (do materialismo e do hedonismo), para encontrar a Verdade e viver em conformidade com a mesma. É oração e contemplação; um modo novo de colocar-se diante do Absoluto, de si mesmo e das coisas; via de esperança que Agostinho aponta para o homem de hoje: “é melhor ter menos necessidades que possuir mais coisas” (Regra 3,18).

"Não saias fora de ti, volta-te a ti mesmo; a verdade habita no homem interior, e, ao dar-te conta de que tua natureza é mutável, transcende a ti mesmo... Busca, então, chegar lá onde a própria lâmpada da razão recebe luz'' (A verdadeira religião 72) [5].

O desenvolvimento espiritual de Agostinho está relatado em suas Confissões; é um itinerário desde os afetos desordenados até a ordem do amor, em que se chega a Deus, não primordialmente por meio das práticas ascéticas, nem por uma ascensão intelectual, mas por um amor humano, voluntário e afetivo, unificado pelo Espírito Santo que se converte em caridade: Ora et Labora que São Bento adotou quase dois séculos depois em sua Regra. Em sua espiritualidade existem aspectos individuais, sociais e institucionais. É uma visão cristã da vida a que uma pessoa se compromete por meio das ações. Seu fundamento se encontra na fé em que as pessoas humanas são amadas por Deus Pai, enquanto ele ama a seu Filho. Esta verdade, uma vez experimentada, abre o coração para uma íntima comunhão com Deus na oração, e, logo, no culto litúrgico na comunidade eclesial. A verdade do amor a Deus por cada ser humano é revelada por meio dos atos da criação e da encarnação do Filho, efetuada por Deus Uno e Trino para redimir e santificar a todos. Assim que, para Santo Agostinho, a espiritualidade denota da vida no Espírito Santo, há qual faz com que as pessoa humana seja semelhante a Cristo, dando-lhe a caridade, que lhes permite rezar exclamando “Abba, Pai!” (Rm 8, 15). Então, a união com Cristo, em quem um se converte em filho do Pai, não por natureza, senão por graça, é para Agostinho a realidade básica da oração e da vida cristã. Isto origina uma continuada conversão para identificar-se mais e mais com Cristo[6].



Conclusão

É bem verdade que ao tentar falar de uma espiritualidade em Santo Agostinho, devemos ter cuidado para não fugir da sistematização que ele propõe, porque são vastos os meios que temos para isto, dentre eles, é bom lembrarmos, que não existe uma concordância em tudo o que afirma ser de fato, uma espiritualidade eminentemente agostiniana. Mas, procurei aqui olhar para Agostinho como aquele que propõe um caminho espiritual que não é intimista ou egoísta, quando se fala de interioridade, mas deve ser entendido como um projeto de vida em comunhão, na qual o ser humano é convidado a sentir-se solidário com o outro, sinta a solidariedade do outro, e, sinta-se participante de uma mesma dignidade, apesar das diferenças pessoais; comunhão em que as pessoas se aceitam reciprocamente e se queiram bem assim como são, sem prejuízos ou preconceitos. Agora, claro, todos com os corações voltados para Deus. Pois, é nessa proposta agostiniana, onde encontramos as maiores contradições com a vida moderna.

A vida em comunidade contrapõe ao individualismo, à intolerância, ao preconceito nas suas mais variadas faces. A vida em comunidade tem a sua tradução no mundo de hoje quando nos preocupamos de forma incondicional com o bem-estar do outro e do mundo, pois sem o outro e sem a natureza ninguém pode sobreviver, não podemos viver sobre e as custas do outro, mais sim, por e com o outro, que é meu semelhante, digno do mesmo respeito e direitos. E este ambiente, de respeito mútuo, só é possível para Agostinho com a vivência de um outro grande valor agostiniano: a amizade que não foge de sua espiritualidade. Com isto, podemos concluir que a experiência espiritual proposta pelo Bispo de Hipona pode ser sintetizada da seguinte forma: busca intensa da Verdade; e, tendo-O encontrado, a ele dedicar-se inteiramente em comunhão com os irmãos, como já vimos no decorrer da leitura.

JWFS, crl
Publicado em: 07/06/2014


[1] MADRID, Teodoro C, La Iglesia católica según San Agustín, Madrid, Revista Agustiniana, 1994. Pág. 292.
[2] PINCKAERS, Servais, Em busca de Deus nas Confissões: passeando com Santo Agostinho, São Paulo, Loyola, 2013. Pág. 24.
[3] AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona, Confissões: livro X, n. 38. São Paulo, Paulus, 2002. Pág. 299.
[4] TONNA-BARTHET, Pe. Antonino, Síntese da Espiritualidade Agostiniana, São Paulo, Paulus, 1995. Pág. 33.
[5] http://www.osabrasil.org/interioridade_carisma.htm    Acesso em 19/06/2014 às 14:17.
[6] DICCIONARIO de San Agustin: San Agustin a través del tiempo, Burgos, Monte Carmelo, 2006. Pág. 514.


ESPIRITUALIDADE CANONICAL I

Quando se fala de Santo Agostinho, principalmente entre os seguidores de sua Regra, perguntam-se entre si, como se define a espiritualidade canonical, como a espiritualidade beneditina, franciscana, secular, caritativos e etc.

Se verdadeiramente conhece-se profundamente o pensamento agostiniano, suas obras e as consequências de seus ensinamentos na História da Vida Religiosa e da Teológica na Igreja, compreender-se-á a Espiritualidade de Santo Agostinho. Pois, definimos o Carisma Canonical como um caminho comunitário que se faz pela busca de um conhecimento profundo de cada pessoa, trabalhando toda a sua interioridade na Escola do Evangelho, para que, consequentemente, obter um conhecimento pleno de Deus.

Então, o caminho espiritual canonical foi construído por Santo Agostinho e fundamentado na Verdade que é o próprio Cristo Jesus. Tendo o conhecimento de si, sirva a Ele com mais amor, intimidade, com segurança para com a suas Obras. Para melhor traduzir esta busca de Deus e este conhecimento do homem, o grande cônego regular Tomas de Kempis traduziu este caminho em um famoso livro chamado de Imitação de Cristo. Numa época de mundanização, o remédio mais eficaz que ele encontrou foi olhar para a riqueza espiritual que a Ordem dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho tinha e tentar traduzir para os religiosos por meio da meditação pudesse ter acesso, com uma roupagem nova: imitar a Cristo, evitar que a febre pela busca do conhecimento humanista ateu e o existencialismo racionalista contaminasse as casas religiosas. Sendo assim, Tomas, olhando para Santo Agostinho, defende e difunde uma espiritualidade cristocêntrica, que propunha a ruptura com o mundo e a conversão a Deus.

A humildade do cônego Tomas foi perceptível por toda a Igreja. Apesar da popularidade de seu livro Imitação de Cristo, não se tinha conhecimento de quem o escrevera, de seu autor. Não é de se admirar, pois no Capítulo II lê-se: “estima ser ignorado e tido em nenhuma conta” ou no original em latim: “ama nesciri et pro nihilo reputari”. O Capítulo V adverte os leitores a não procurar quem disse, mas a prestarem atenção ao que foi dito: “non quaeras quis hoc dixerit: sed quid dicatur atende”, ou seja, não importa quem escreveu “A Imitação de Cristo”, mas tão somente a sua mensagem.

O contexto histórico da contribuição dos cônegos na Igreja com sua espiritualidade

Kempis estava localizada na região da fronteira com a Bélgica e a Alemanha atuais, na área de cultura conhecida como flamenga, ou seja, holandesa. Naquela área surgiu o movimento denominado devotio moderna para contrapor a devotio antiqua em voga. A devotio antiqua era praticada por um clero decadente, o qual não punha mais o próprio coração nas celebrações litúrgicas e nas práticas devocionais. Lembrando que se trata do século XV, pouco antes da Revolução Protestante. Além disso, apresentava uma mística intelectualizada, mais preocupada com questões abstratas que com as dificuldades cotidianas. Ela era praticada sobretudo na região do Rio Reno e seu representante mais ilustre foi o dominicano Mestre Eckhart, mais tarde acusado como herege e que teve parte de seus escritos condenados. Por fim, ela apresentava uma ascese inalcançável. As pessoas se propunham penitências dificílimas, iam em busca de heroísmo ascéticos tão terríveis que se tornava impossível cumpri-las.

Nesse cenário, surgiu a devotio moderna propondo que sacerdotes e religiosos empenhassem o coração no culto a Deus, saindo do automatismo. Para fugir da intelectualidade exacerbada, centralizaram a devoção em Cristo. Ela rapidamente se tornou popular, pois, além de cristocêntrica, oferecia a todos práticas de penitência e de mortificação mais acessíveis. Tomas ao escrever este livro para a sua comunidade canonical, procurou colocar o fiel em contato com Cristo, ajudando-o em seu processo de conversão, o qual exige uma ruptura com o mundo. Justamente nesse ponto a obra é criticada, pois a separação do mundo que ele sugere faz com que seja tachado de individualista, ou seja, com uma espiritualidade desencarnada, fora do mundo real, mas na verdade não é nada disso. Tomas chamava a sua comunidade para a essência da vida religiosa, a tal ponto que este livro ultrapassou as paredes do mosteiro, chegando a todas as partes do mundo católico.

Hoje, revisitando a história e o tesouro da riqueza espiritual que está sobre os ombros da Ordem dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, percebe-se que para viver o carisma canonical, basta primeiro ser uma pessoa amante pela Verdade que é Jesus Cristo, depois, desejar imitá-lo em sua apostolicidade, seguindo o sistema adotado pelo Bispo de Hipona.

Sempre olhar para o outro que está do meu lado, como um irmão que, juntos viveremos em um só coração, uma só alma, voltados para Deus. Nenhuma personalidade sã, agradável, integrada é proibida, mas trabalhada para melhor servir a comunidade de irmãos e a Igreja. Pois, é maravilhoso conviver com pessoas que se amam e amam os demais. Pode haver conflitos, mas nunca uma guerra, pois a amizade sempre reinará.

Santo Agostinho diz em suas Confissões (L. 1, 6) que “nossa alma é morada muito estreita para receber o Senhor, mas é alargada por Ele, quando se permite conhecimento pessoal de que somos limitados pelo pecado para essa plenitude”.

Quando olhamos para S. Agostinho como um exemplo de fidelidade e de serviço a Deus, com os irmãos; entenderemos que a espiritualidade canonical é a vida de entrega a Deus e aos irmãos, como fez, tantos santos que veneramos nos altares de nossa Igreja.

O auge para entender plenamente o carisma, a espiritualidade canonical é reconhecer a comunidade em que se vive, como um dom de Deus. Santo Agostinho compreende esse compartilhamento de vida, como graça do Senhor. E, a comunidade religiosa tem por obrigação de ajudar-se mutuamente para vencer os três inimigos clássicos do homem que são: Pecado, Mundo e Carne.

É fato, as normas que seguiam no mosteiro fundado pelo Bispo de Hipona não eram exigentes demais, nem excessivamente frouxas. Com o espírito prático que o caracteriza e uma consciência espiritual trabalhada e elevada, Agostinho compreendeu que a melhor regra de disciplina era conservar a justa medida que fluía sempre do caminho espiritual proposto por ele. O estudo, a oração de louvor e o exercício prático da caridade fraterna fazem da comunidade de Tagaste, um reflexo vivo da primeira comunidade apostólica mandou escrever na parede do refeitório uma frase em latim que, traduzida, fica assim: “Aquele que gosta de falar mal dos ausentes, saiba que é indigno de sentar-se nesta mesa”. Um dia, nos conta São Possídio, como alguns de seus amigos e colegas no episcopado houvessem esquecido esta sentença, os repreendeu com severidade e disse, cheio de caritativo rigor, que, ou haviam de apagar-se aqueles versos ou ele se retiraria imediatamente.

Que todos aqueles que abraçaram o carisma canonical, aperfeiçoem-se sempre mais para a cada dia, parecer-se com Cristo, chegando a afirmar com S. Paulo: “Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim”.


ESPIRITUALIDADE CANONICAL II
A prática da espiritualidade como alimento do Carisma canonical


A espiritualidade da Ordem é eminentemente agostiniana. A bússola que orienta o estilo de vida canonical são os Evangelhos, a Regra de Santo Agostinho e as Constituições.

Dois são os elementos essenciais da Ordem: o ser Cônego e o ter a Regra de Santo Agostinho. O primeiro elemento nos faz descendentes, herdeiros e continuadores da vida canonical; o segundo nos comprometem a viver uma vida comunitária, na busca e permanência do serviço litúrgico, e na vida apostólica.

Um cônego lateranense cultiva em si os aspectos que alimentaram a vida espiritual do Bispo de Hipona, já que segue a sua Regra:

1. Elemento Cristológico: Cristo era para Agostinho o centro de sua vida. Quando leu o Hortensio se desiludiu porque não encontrou nele o nome de Cristo. Quando aparecem os maniqueus adere a eles porque prometem ajudá-lo a buscar a verdade.

2. Elemento eclesial: Agostinho após seu batismo que se deu na noite santa de 24 de abril de 387, se coloca a serviço da Igreja; no primeiro momento não quis ser sacerdote, mas aceitou porque os fiéis lhe pediram; tampouco desejava o episcopado e aceitou por obediência. O intuito era viver unicamente uma vida de comunidade com seus irmãos, porém, dedicou-se primeiramente ao cuidado de sua diocese de Hipona, sem nunca deixar de viver em uma comunidade de irmãos. Obs: O Bispo a partir do séc. IV com o cessar a perseguição contra os cristãos, vai se tornar também juiz, pelo fato de ser uma liderança respeitada e reconhecida pelo povo.

3. Elemento da caridade: no entendimento e vivência dele como virtude que modera todos os exercícios de ação e contemplação. Daí a insistência do santo em ter uma só alma e um só coração dirigidos para Deus. Pois, Deus sempre esteve ao lado dos pobres, veio para os pobres e se fez pobre.

4. Elemento comunitário: Agostinho está inspirado para uma vida em comum. Ser comunidade é algo essencial para os seguidores da Regra, por tanto, viver em comunidade deve ser sua principal aspiração. Agostinho apresenta a Trindade como uma Comunidade perfeita de amor, um só coração e um só espírito, num corpo divino.

5. Viver a Espiritualidade Canonical: Ser pessoa de vida fraterna que professa os conselhos evangélicos dentro de um Carisma, eis a obrigação, englobando uma vida litúrgica, unida a vida apostólica. A comunidade orientada pela Regra e as Constituições, é convidada a oferecer um ambiente que permita o cônego a entrar dentro de si, onde encontra a Deus esperando-o e, iluminado por Cristo, Mestre interior, transcende a si mesmo, renova-se segundo a imagem do homem novo que é Jesus e se pacifica na contemplação da Verdade. Para o alcance de tal meta, a grande via é pelo estudo permanente da Sagrada Escritura e da Tradição, ouvindo o Magistério da Igreja, alimentado sempre dela Eucaristia.

A vocação canonical é uma contínua conversão e imitação de Cristo. Só com ajuda de Cristo, mediante uma purificação pela humildade, o homem pode entrar dentro de si mesmo onde encontrará os valores eternos, reencontra Cristo e reconhece nos irmãos. Esta interiorização é o princípio de toda piedade.

6. Consagração dos irmãos: O chamamento e a consagração comprometem o cônego a uma doação total a Deus, a uma imitação e a um seguimento mais livre e mais radical de Cristo, vivendo mais para ele e para seu Corpo, que é a Igreja.

Os religiosos da Ordem, em comunhão de caridade com os irmãos, caminham para a consagração perfeita, que será a comunhão com o Pai e com o Filho Jesus Cristo, na força do Espírito Santo. Enquanto não se toma consciência desta exigência que a Vida Consagrada na Igreja obriga, a força vital da Ordem pode enfraquecer: primeiro um cônego é consagrado, depois, pode ser ordenado. Mas o sacramento da ordem não é ponto constitutivo da Congregação, mesmo sendo ela eminentemente clerical, conforme reza as Constituições vigente.

7. Comunidade que Reza e Celebra: A oração ajuda o cônego a descobrir a presença misteriosa de Deus no coração dos homens, para amá-los como irmãos. O Espírito de Jesus faz perceber, por meio da oração, as manifestações do amor de Deus na trama dos acontecimentos; desta forma, conseguir-se-á a síntese necessária entre oração e vida.

8. Os cônegos e a Eucaristia: A Ordem Canonical tem a santa culpa de preparar a Igreja para o culto a Santíssima Eucaristia, graças a Santa Juliana de Cornelión e o Papa Urbano IV, ambos cônegos regulares de Santo Agostinho. Graças a eles, temos a festa de Corpus Christi. Na Polônia temos o Santuário do Santíssimo Sacramento e a figura de Santo Stanislaw Casimiritano, como conservadores deste amor e respeito eucarístico. Recordarmos também a São Norberto, mestre da contemplação eucarística. A Eucaristia é Dom da SS. Trindade. Se lermos com atenção o discurso sobre o Pão da Vida no sexto capítulo do Evangelho segundo S. João, vamos notar que Jesus apresenta a Eucaristia como dom da SS. Trindade. Primeiro ele declara: “O meu Pai é quem vos dá o verdadeiro pão do céu; porque o pão de Deus é o pão que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6, 32-33). Em seguida, ele revela que ele mesmo é “o pão vivo que desceu do céu.” E acrescenta: “E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo” (Jo 6, 51). Por fim, ele fala do Espírito Santo dizendo: “O espírito é que vivifica, a carne de nada serve. As palavras que vos tenho dito são espírito e vida” (Jo 6, 63). Assim, o Evangelho revela a Eucaristia como dom trinitário, dom que vem do Pai, do Filho e do Espírito Santo. De fato, a Eucaristia “está no centro da vida trinitária” como mostra o célebre ícone de Rublev. Portanto, para penetrarmos mais profundamente no Mistério Eucarístico, temos que contempla-lo à luz da SS. Trindade.

A celebração da Eucaristia é e deve ser o ato principal de cada dia, no qual a comunidade dos irmãos encontra-se reunida diante do altar de Cristo e anuncia a morte e ressurreição do Senhor.

9. A Virgem Maria: Cada cônego é convidado a amar filialmente e procura imitar a Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, em cuja proteção se apoia a Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses, sobre o título de Mãe do Salvador. O amor à Virgem Santíssima deve ser cultivado, pois São João XXIII ao aprovar a Confederação das Congregações canonicais, consagrou as mesmas ao Imaculado Coração de Maria.

Também celebramos as memórias dos Santos de nossa Ordem, como sinal de comunhão com toda a família canonical. Muito nos alegram em saber que os nossos confrades alcançaram a salvação. Ao celebrar as suas datas comemorativas, renovamos o convite à perfeição de vida.

10. Comunidade penitente: A virtude da penitência exercita-se principalmente no cumprimento fiel e constante do dever, na aceitação das dificuldades que dimanam do trabalho e do contato com os homens e finalmente suportando com paciência e amor as vicissitudes desta vida transitória, da enfermidade e da morte.

Os Cônegos fazem todos os dias seu exame de consciência, no momento da oração das Completas e é convidado a aproximar-se frequentemente do sacramento da Penitencia. Também, reza nas Constituições que se façam três celebrações penitencias comunitárias nas canônicas: na véspera da Solenidade do Natal do Senhor (25/12), na sexta-feira Santa e na véspera da Solenidade de Santo Agostinho (28/08), para um reconhecimento comunitário das fraquezas e a retomada da caminhada, perdoados mutuamente.

Ouvindo a Jesus Cristo que convida a negação de si mesmo, a tomar a cruz e a segui-lo, os cônegos, além de cumprir as penitências impostas pela lei eclesiástica, praticam outros atos de mortificação, especialmente nas quartas-feiras e sextas-feiras do ano, na quaresma.

11. Os irmãos doentes: A Regra de Santo Agostinho pede um especial cuidado para com os doentes, dando-lhes um tratamento todo especial na alimentação e na higiene, traduzindo assim a atenção na totalidade da saúde dos irmãos. Os Superiores são convidados a olhar com toda caridade, de acordo com as necessidades de cada um.


12. Os irmãos defuntos: Quando morre um irmão a canônica a que ele pertence, comunica às demais, para que todos os Cônegos rezem por ele (cf. Const.Cap. X e XI).

Todos os anos celebrem-se nas canônicas da Ordem Missas e o Ofício dos defuntos em sufrágio das almas: dia 27 de janeiro pelos pais e mães; no dia 05 de setembro ou no primeiro dia litúrgico livre, o aniversário de falecimento dos confrades, parentes e benfeitores.


ESPIRITUALIDADE CANONICAL III
                      

A vida religiosa para Santo Agostinho se caracterizava pela configuração com Jesus Cristo Mestre e Senhor. Portanto, a formação canonical deve ser obrigatoriamente concebida e estruturada no seguimento à pedagogia do próprio Senhor Jesus Cristo. De tal modo o candidato à vida canonical é introduzido na dinâmica formativa a qual o Mestre Jesus se submeteu, ou seja, aprender Dele e com Ele “crescer em estatura, sabedoria e graça diante de Deus e dos homens”, para atingir a estatura e a maturidade de Cristo.

Então o cônego deve percorrer o itinerário formativo semelhante ao de Jesus, que se inicia no anonimato em Nazaré (postulado), passando pela consagração no seu Batismo e pela purificação no deserto; abandonando-se na vontade do Pai (noviciado), seguindo sua missão na vida pública (juniorado) até morrer com Ele na Cruz e com Ele ressuscitar (formação permanente). Em outras palavras, desde que o jovem se propõe à sequela de Cristo, deve passar pelas mesmas etapas quais passou o Mestre Jesus.

Agora veremos o que dizia São Posídio ao escrever sobre Santo Agostinho, afim de entendermos melhor este espírito formativo por meio do exemplo:

“Senti-me inspirado por Deus que criou e governa o universo, a empregar meus limitados recursos de inteligência e palavra para a edificação da Igreja Católica de Cristo Senhor, santa e verdadeira...” em consequência disso, também eu, o menor dos administradores dos dons divinos, animado da fé sincera que é indispensável para servir ao Senhor dos senhores e a seus fiéis, assim como para ser-lhes agradável, empreendi narrar, auxiliado pela graça de Deus, o nascimento, a vida e a morte baseado no que ele (Agostinho) me contou e no que eu mesmo verifiquei, tendo usufruído por muitos anos de sua amizade, testemunho que Agostinho foi verdadeiramente um homem de Deus”. (POSSÍDIO, São. Vida de Santo Agostinho, Paulus, São Paulo, 1997)

Santo Agostinho em 387, fundou uma comunidade para ser um lugar onde se cultive a fé no Deus Trino, a esperança de um mundo melhor e a caridade que une os irmãos no serviço mútuo. Quem quiser seguir as pegadas de Santo Agostinho tem que saber escutar a Cristo comunidade que ama o Pai e nos envia o Espírito Santo. Ele disse certo dia em um dos seus sermões, fazendo um comentário ao Evangelho de São João: “Você quer caminhar? Eu sou o Caminho. Você não quer ser enganado? Eu sou a Verdade. Vocês não querem morrer? Eu sou a Vida”. E é justamente esse elo que une todos os que seguem a Regra agostiniana! Um Caminho a percorrer, uma Verdade a ser vivida pra depois ser proclamada e uma Vida a ser defendida, amada e entregue a todos. Não se pode fazer um divórcio entre a Regra de Santo Agostinho e a vida de quem a segue, porque a regra é a alma do Instituto. Toda regra de vida oferece um carisma e uma espiritualidade. Por isto que os cônegos têm um carisma e uma espiritualidade bem definida!

Compreenderemos o que este homem de Deus aconselhava aos novos membros de sua comunidade: “Vocês devem ir aonde a Igreja necessite”. Esta é a beleza da espiritualidade agostiniana. Não ter um carisma fechado ou estritamente específico, quer dizer, estar aberto a todos os dons que o Espírito Santo vá presenteando a cada irmão na comunidade. É se fazer presente em todos os lugares, culturas, línguas e raças, sem perder o foco, anunciar Cristo Jesus, Salvador e Senhor de nossas vidas.

Resumindo todo o carisma de Santo Agostinho vemos que é: Amar a Deus sem condições, saber viver em comunidade como irmãos, experimentar a Cristo na interioridade, servir a Igreja em tudo o que ela necessitar e o principal, anunciar a Cristo com a Palavra e com o exemplo de vida. O verdadeiro seguidor da Regra fala de Deus sem dizer uma só palavra. Uma prova disso são os milhares de santos e santas que quiseram viver baixo a Regra de Santo Agostinho nestes quase 1600 anos de história após sua morte. Santo Agostinho descansou o seu coração que passou a vida toda inquieto no seu Amor, a “Beleza sempre antiga e tão nova”, Jesus.  Santo Agostinho abriu uma porta para o serviço da Igreja que nunca mais fechou, e Deus multiplicou o seu rebanho. Que Nosso Salvador Jesus Cristo nos ajude e esteja sempre atento as nossas preces. Assim seja!

 Cônego José Wilson Fabrício da Silva, crl



[1]              Uma reprodução da Paixão do Cristo e de seu belo testemunho diante de Pilatos.