Por que a Igreja aprova o uso das ladainhas a Nossa
Senhora na devoção Popular? Porque é um costume antigo e salutar na vida da
Igreja. Os cristãos, desde os primeiros séculos, utilizavam-se da ladainha como
uma das formas de rezar bem conhecida e fácil de aprender na Igreja no Oriente,
estendo depois a Igreja no Ocidente. Junto com a utilização da iconografia para
ajudar na catequização dos novos cristãos, a Igreja aceitou o uso de orações que
poderiam ser decoradas e repetidas, para melhor vivência da fé. O próprio Jesus
ensinou a seus discípulos a rezarem o Pai-Nosso (Lc 11, 1-4). No próprio Rito
do Sacramento do batismo está prescrito que se faça uma breve ladainha, pedindo
a intercessão dos santos. “Ladainha” é uma palavra grega que significa
“súplica”. É um conjunto de orações que consiste essencialmente em certo um número
de invocações dirigidas a Deus, à Virgem Maria ou aos santos, e termina-se com
um pedido feito no final de cada frase, formando uma prece abreviada, por
exemplo: rogai por nós, tende piedade de
nós, nós vos louvamos Senhor, etc.
Iremos
nos ocupar em analisar a tão conhecida “Ladainha Lauretana” de Nossa Senhora que
oferece a quem reza um resumo dos títulos de honra, de veneração e amor que a
Igreja, depois de uma profunda experiência de fé e reflexão teológica, dedicou
à Mãe de Deus[1].
É importante lembrarmos aqui que toda a oração antes de ser publicada para o uso
público ou privado da Igreja, deve ter o cuidado de ser analisada e corrigida
se preciso for, para depois receber o “imprimatur” do Bispo ou Superior,
chegando ao povo de Deus como uma oração saudável e livre de todo o erro
doutrinal contrário ao Depósito da Fé.
Na
ladainha, antes de começar as invocações á Nossa Senhora, prostramo-nos diante
de Deus, Fonte Primeira de todo dom,
reconhecendo sua divindade, pedindo-lhe misericórdia porque somos pecadores.
Depois, voltamos as nossas súplicas a Nosso Senhor Jesus Cristo, nosso único mediador junto do Pai, para que
ele nos atenda; e, por fim, imploramos a cada uma das Pessoas da adorável
Trindade que tenha piedade de nós. Terminando assim, nos voltamos à Mãe Maria
com diversos títulos memoráveis para que não deixe de rezar por nós junto a seu
Filho.
Qual é o
objetivo de comparar a Virgem Maria com diversos objetos, astro, construções e
darmos a ela diversos títulos de honra e realeza que esta ladainha nos trás? O
objetivo principal é exaltar as grandezas da “Mulher”[2] que gerou o Deus feito Homem que esmagou a cabeça do
inimigo de nossas almas com sua Morte de
cruz e Ressurreição. Em cada título dado a Mãe de Cristo, vemos expressas a
sua dignidade, suas virtudes, o poder de sua intercessão e a glória de Deus em
que ela foi envolvida. Não são meras repetições de palavras, após cada
invocação, nem muitas invocações que utilizamos para que Maria nos escute. Mas,
a Igreja, nestas tantas recitações, diz o que acredita ser Áquela que o Espírito Santo precisou para fecundar a Palavra que se fez carne e habitou no meio
da humanidade[3].
Nas
invocações que formam a ladainha encontramos os qualitativos mais honrosos que
mostram a humildade de Nossa Senhora, e, ao mesmo tempo a sua grandiosa
importância na participação do Plano
Divino da Salvação. O povo de Deus a chama de Mãe de Jesus Cristo – Mãe da
divina Graça – Mãe do Salvador – Mãe do Bom Conselho – Mãe do Criador (não mãe de Deus Pai, mas
mãe da Palavra do Pai que cria tudo
pela ação do Espírito Santo) – Mãe Amável
– Mãe Admirável – Mãe Imaculada – Mãe Puríssima – Mãe
Castíssima – e Mãe Intacta. A
Igreja se sente satisfeita por assim honrar a divina maternidade de Maria,
fazendo cumprir a profecia que a própria Mãe de Jesus proferiu sobre si: “Todas
as gerações hão de me chamar bem-aventurada” (Lc 1, 48).
Santo
Agostinho comentando o Salmo cento e quarenta e oito nos mostra um motivo
grandioso, depois do objetivo principal da Encarnação de Jesus Cristo. O
objetivo principal da Encarnação do Filho de Deus foi para Salvar a humanidade de seu pecado (Lc 1, 77), Anunciar o Reino (Mt 3, 2) e abrir a porta do Paraíso ao homem redimido (Lc 23, 43). O motivo grandioso
foi instituir a Igreja: O Verbo fez-se
carne para ser a Cabeça da Igreja. O mesmo Verbo certamente não é parte da
Igreja, mas foi para fazer-se Cabeça da Igreja que se tornou Carne. (cf. AGOSTINHO,
2014)[4]
A
piedade cristã ao longo dos séculos teve a necessidade de confessar sem cessar
o honroso voto de Pertença do corpo e da alma de Maria a Deus, quando nunca
deixou de clamar: Virgem Prudentíssima
– Virgem Venerável – Virgem Louvável – Virgem Poderosa (por ter o privilégio de está ao lado de Cristo e
poder dialogar com ele na Glória) – Virgem
Benigna – Virgem Fiel. À luz da cristologia não encontramos nenhum
exagero em chamar Maria assim, porque não é somente Jesus que é louvável, venerável, prudentíssimo
e poderoso por ser o Messias de Deus,
mas sua Mãe também assim se torna, não pelos seus méritos, mas pelos méritos de
Cristo, pois, Jesus é carne da carne de Maria, sangue do sangue de Maria. É
certo que à luz da razão humana os títulos de “virgem” e “mãe” parecem
incompatíveis, mas, pela fé e poder de Deus, em Maria unem-se de modo excelente
por um privilégio de Deus Pai. Os fiéis católicos, em união com a Mãe Igreja,
para oferecer um ato de reparação à augusta Mãe de Deus, tão frequentemente
ultrajada pelos incrédulos, apóstatas, hereges e libertinos, procuraram fazer
um ato de reparação a Maria com essas invocações tão profundas que acabo de
citar aqui neste parágrafo.
Para dar
continuidade “as glórias de Maria”, como dizia Santo Afonso, foi-se
acrescentando belas imagens comparativas com a esposa de São José, trazendo
certos termos imponentes que traduz o pensamento dos devotos da Senhora, filha
de São Joaquim e Santa Ana. Eis como os
filhos da Igreja viram a Mãe de seu Senhor: Espelho
de Justiça – Vaso Espiritual – Vaso Honorífico – Vaso insigne de devoção – uma Rosa
Mística – uma Torre de Davi – uma
Torre de Marfim – Casa de ouro – Arca da Aliança – e uma Porta
do Céu. Aqui encontramos em diversas palavras o que o povo cristão sente
quando olha para a Virgem e Mãe em diversas partes do mundo: Fátima (Portugal),
Belém do Pará (Brasil), Lurdes (França), Aparecida (Brasil), Buenos Aires
(Argentina), Passira (Brasil), Czestochowa (Polônia), Montserrat (Espanha),
Schoenstatt (Alemanha).
Acaba este
esplêndido quadro exaltando a misericordiosa bondade da Senhora de todos os
povos, raças e línguas, onde em todas as partes é chamada de Estrala da Manhã – que clama pela Saúde de Enfermos – é Refúgio dos pecadores – é Consoladora dos Aflitos – e Auxílio dos Cristãos. Nestas invocações
a Igreja procurou fazer uma leitura à luz das passagens bíblicas que apresentam
Maria que reza implorando a ação do Espírito Santo e intercede pelos
necessitados (Jo 2, 5; At 1, 14).
Segue as
invocações feitas a Nossa Senhora, exaltando a glória que ela foi elevada e
proclamada como Rainha de tudo o que foi
criado, sendo a primeira criatura redimida pelos méritos de Cristo. E,
respeitando a hierarquia celeste, os filhos da Igreja aclamam: Rainha dos Anjos – Rainha dos Patriarcas – Rainha
dos Profetas – Rainha dos Apóstolos
– Rainha dos Mártires – Rainha dos Confessores – Rainha das Virgens – e Rainha de todos os Santos.
Termina
a ladainha exaltando a pureza da Virgem Maria e a riqueza do rosário como um meio
de contemplação dos principais mistérios da vida de Cristo: Rainha Concebida sem pecado original – Rainha do Santo Rosário. E, pede pela
família e pela paz no mundo: Rainha da
Família – Rainha da Paz.
Se
observarmos com atenção, vemos que novamente terminamos a ladainha nos voltando
para Jesus o Cordeiro de Deus, aquele que tira todo o pecado do mundo.
E nos despedimos de Maria, pedindo que ela rogue por nós, para que sejamos todos dignos das promessas de Cristo, porque ele é
o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim de todas as coisas[5].
Na Liturgia a Igreja
dirige-se normalmente a Deus Pai, comemora as maravilhas realizadas em Cristo,
em Maria e nos santos em geral. Pouquíssimas vezes a Igreja se dirige
diretamente a Maria, a não ser em alguns hinos, antífonas ou responsórios...
Antropomorficamente podemos dirigir-nos a Maria, como filhos e filhas seus. (cf.
MARIA, 2015)[6]
A Igreja
aprova o uso das ladainhas porque tem consciência de que por meio dessa forma
de rezar não é errada, nem estéril. As honras que se prestam ao representante
de um rei, referem-se ao próprio rei. Do mesmo modo, quando honramos os santos
e a Nossa Senhora, nossa homenagem eleva-se até Deus nas virtudes dos santos.
São Paulo pela iluminação do Espírito Santo em certa altura da vida chegou a
confessar: Não sou eu que vivo, é Cristo
que vive em mim (Gl 2, 20), provando-nos assim de que a vida de todos os santos
chegou ao grau mais elevado e perfeito do homem, que é o de se parecer em tudo
com Cristo pela vivência da sua palavra. Em Maria esta graça deve se
multiplicar porque ela não apenas procurou viver na graça de Deus, mas foi
escolhida para ser a Mãe do próprio Deus (Lc 1, 43).
Lutero fazendo
o seu comentário sobre o Magnificat de
Maria, chegou em certa altura a dizer que se a Mãe de Jesus houvesse dito
que a “sua alma engrandeceria a si mesma”, com certeza após a sua morte, sua
alma “teria caído no inferno com Lúcifer (cf. Isaías 14, 12)”. Mas, Maria
engrandece exclusivamente a Deus e atribui tudo de si somente a ele. Ela acreditou
que Deus realizou em seu corpo e em sua alma uma grande obra. Mas ela não se
considerou maior do que a pessoa mais humildade da terra. Maria teve este
pensamento: se outra jovem tivesse sido beneficiada por Deus, ela também
desejaria alegrar-se e querer tudo de bom para essa jovem. Maria foi um alegre
albergue e uma serviçal anfitriã de Jesus. Por isso ficou com tudo para sempre.
(cf. LUTERO, 2015)[7]
Côn. José Wilson Fabrício da
Silva, crl
Membro
da Academia Marial de Aparecida
fonte: http://www.a12.com/santuario-nacional/formacao/detalhes/a-igreja-o-uso-da-ladainha-e-a-exaltacao-a-nossa-senhora
[1]
COMISSÃO LITÚRGICA DO GRANDE JUBILEU DO ANO 2000. Abba, Pai. São Paulo: paulinas, 1999. pág. 129
[2] cf.
Gêneses 3, 15.
[3] cf.
João 1, 14.
[4]
AGOSTINHO, Santo. A Virgem Maria: Cem
textos marianos com comentários. 7ª Ed. São Paulo: Paulinas, 2014. pág. 64.
[5] cf.
Apocalipse 22, 13
[6] MARIA: trono da sabedoria/ Valdivino Guimarães,
(organizador). – Aparecida, SP: Editora Santuário, 2015. pág. 97.
[7] LUTERO,
MARTIN. Magnificat: O louvor de Maria.
Aparecida: Editora Santuário; São Leopoldo: Editora Sinodal, 2015. pág. 23
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