Desde o Concílio, o CENTRO da liturgia e da Igreja não é mais Deus
nem a adoração a Ele
Cardeal Sarah
Certamente, o
Concílio Vaticano II desejava fomentar uma maior participação ativa do povo de
Deus e fazê-la progredir dia a dia na vida cristã dos fiéis (ver Sacrosanctum
Concilium, 1). Certamente, algumas boas iniciativas foram tomadas nesse
sentido. No entanto, não podemos fechar os olhos ao desastre, à devastação e ao
cisma que os modernos promotores de uma liturgia viva provocaram remodelando a
liturgia da Igreja segundo as suas ideias. Eles esqueceram que o ato litúrgico
não é apenas uma ORAÇÃO, mas também e sobretudo um MISTÉRIO em que algo é
realizado para nós que não podemos compreender plenamente, mas que devemos
aceitar e receber em fé, amor, obediência e adorar no silêncio. E este é o
verdadeiro significado da participação ativa dos fiéis. Não se trata de uma
atividade exclusivamente externa, da distribuição de papéis ou de funções na
liturgia, mas sim de uma receptividade intensamente ativa: esta recepção é, em
Cristo e com Cristo, a humilde oferenda de si mesmo em oração silenciosa e uma
atitude totalmente contemplativa.
A grave crise da fé,
não só ao nível dos fiéis cristãos, mas também e sobretudo entre muitos
sacerdotes e bispos, tornaram-nos incapazes de compreender a liturgia
eucarística como um sacrifício, como idêntico ao ato realizado de uma vez por
todas por Jesus Cristo, fazendo presente o Sacrifício da Cruz de uma maneira
não sangrenta, em toda a Igreja, através de diferentes épocas, lugares, povos e
nações.
Há muitas vezes uma
tendência sacrílega para reduzir a Santa Missa a uma simples refeição de
convívio, a celebração de uma festa profana, A celebração da comunidade de si
mesma, ou pior ainda, uma terrível diversão da angústia de uma vida que já não
tem significado ou do medo de encontrar-se com Deus face a face, porque Seu
olhar nos desvela e nos obriga a olhar de forma verdadeira e inflexível a
feiúra da nossa vida interior. Mas a Santa Missa não é uma diversão. É o
sacrifício vivo de Cristo que morreu na cruz para nos libertar do pecado e da
morte, com o propósito de revelar o amor e a glória de Deus Pai.
Muitos católicos não
sabem que o propósito final de cada celebração litúrgica é a glória e a
adoração de Deus, a salvação e a santificação dos seres humanos, uma vez que na
liturgia “Deus é perfeitamente glorificado e os homens são santificados” (
Sacrosanctum concilium, 7 ). A maioria dos fiéis – incluindo sacerdotes e
bispos – não conhece este ensinamento do Concílio. Assim como eles não sabem
que os verdadeiros adoradores de Deus não são aqueles que reformam a liturgia
de acordo com suas próprias ideias e criatividade, tornando-a algo agradável
para o mundo, mas, sim, aqueles que reformam o mundo em profundidade com o
Evangelho, para permitir o acesso a uma liturgia que é o reflexo da liturgia
que é celebrada de toda a eternidade na Jerusalém celeste.
Como Bento XVI
enfatizou muitas vezes, na raiz da liturgia está a adoração e, portanto, Deus.
Por isso, é necessário reconhecer que a grave e profunda crise que atingiu a
liturgia e a própria Igreja desde o Concílio se deve ao fato de que seu CENTRO
não é mais Deus e a adoração a Ele, mas sim os homens e a sua alegada
capacidade de “fazer” algo para se manterem ocupados durante as celebrações
eucarísticas.
Ainda hoje, um
número significativo de líderes da Igreja subestima a grave crise que atravessa
a Igreja: o relativismo no ensino doutrinário, moral e disciplinar, graves
abusos, a dessacralização e banalização da Sagrada Liturgia, uma visão
meramente social e horizontal da Igreja missão. Muitos creem e declaram alto e
longamente que o Concílio Vaticano II trouxe uma verdadeira primavera na
Igreja. No entanto, um número crescente de líderes da Igreja vê esta
“primavera” como uma rejeição, uma renúncia à sua herança secular, ou mesmo
como um questionamento radical do seu passado e da Tradição. A Europa política
é repreendida por abandonar ou negar suas raízes cristãs. Mas a primeira a ter
abandonado suas raízes e passado cristãos é indiscutivelmente a Igreja Católica
pós-conciliar.
(*) Excerto da
tradução exclusiva inglesa da mensagem enviada pelo Prefeito da Congregação
para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos ao Colóquio “A Fonte do
Futuro”, por ocasião do 10º aniversário da publicação do Motu Proprio Summorum
Pontificum pelo Papa Bento XVI, em 29 de março – 1 de abril de 2017,
Herzogenrath, perto de Aachen (Alemanha).
Fonte: The Catholic World Report – Cardinal Sarah’s Adress on the 1oth
Anniversary of “Summorum Pontificum”
"A criatividade nunca esteve presente na Liturgia cristã"
Dom Henrique Soares da Costa
Criatividade. Este
conceito nunca esteve presente na Liturgia cristã. É-lhe totalmente estranho!
Na antiguidade mais
primitiva, não havia ainda textos litúrgicos formados. É natural, é claro: a
Igreja não nascera feita! Fundada pelo Cristo-Deus, foi plasmada pelo Seu Santo
Espírito, conforme Sua própria promessa.
Mesmo não havendo
ainda textos fixos para o rito litúrgico, havia, no entanto, esquemas fixos,
que os ministros sagrados deveriam seguir à risca. Portanto, cada ministro,
tanto quanto pudesse, uns mais, outros, menos, compunham as orações. Em geral,
escreviam-nas antes. Mas, dentro de um esquema fixo. A palavra chave nunca foi
criatividade, mas fidelidade à Regra de Fé da Igreja e à lex orandi, isto é, à norma de oração da Igreja.
Logo cedo, os
primeiros formulários litúrgicos foram sendo colocados por escrito e fixados.
Finalmente, no século IV, com a liberdade de culto concedida aos cristãos,
surgiram os grandes textos litúrgicos no Oriente, como a estupenda liturgia de
São João Crisóstomo, e do Ocidente (pense-se na antiquissíma Tradição
Apostólica de Hipólito de Roma). No Ocidente, a formação dos grandes textos foi
mais complexa por vários motivos históricos e culturais. Em todo caso, no séculos
VI e VII já se tinham os grandes formulários litúrgicos e a soleníssima Missa
Estacional romana, que influenciaria toda a liturgia da Missa da Igreja latina
(a Igreja do Ocidente, da qual o Bispo de Roma é o Patriarca, além de Papa de
toda a Igreja do Oriente e Ocidente).
Em toda esta
complexa e rica evolução histórica nunca se teve em mira a criatividade, mas a
ortodoxia. Aliás, a palavra ortodoxia significa reta fé (reta opinião) e também
reto louvor, reta glorificação de Deus! Assim, na Celebração litúrgica, o
importante, a finalidade é o reto louvor ao Senhor Deus, exprimindo a reta fé
pelos ritos sagrados que tornam atuantes na vida de cada crente e de toda a
Igreja a salvação celebrada. A criatividade como ideal, objetivo e valor em si
simplesmente não faz parte da realidade litúrgica, ao menos não nos vinte e um
séculos de história da Igreja do Ocidente e do Oriente. Sendo assim, cedo ou
tarde, com a graça de Deus, a ideologia da criatividade litúrgica desaparecerá
do horizonte da Igreja, pois não faz parte do genuíno sentir eclesial. É
questão de tempo...
CONSTITUIÇÃO CONCILIAR
SACROSANCTUM CONCILIUM
SOBRE A SAGRADA LITURGIA
2. A Liturgia, pela
qual, especialmente no sacrifício eucarístico, «se opera o fruto da nossa
Redenção» (1), contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e
manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira
Igreja, que é simultâneamente humana e divina, visível e dotada de elementos
invisíveis, empenhada na ação e dada à contemplação, presente no mundo e,
todavia, peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e
subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o
presente à cidade futura que buscamos (2). A Liturgia, ao mesmo tempo que
edifica os que estão na Igreja em templo santo no Senhor, em morada de Deus no
Espírito (3), até à medida da idade da plenitude de Cristo (4), robustece de
modo admirável as suas energias para pregar Cristo e mostra a Igreja aos que
estão fora, como sinal erguido entre as nações (5), para reunir à sua sombra os
filhos de Deus dispersos (6), até que haja um só rebanho e um só pastor (7).
presença de Cristo na Liturgia
7. Para realizar tão
grande obra, Cristo está sempre presente na sua igreja, especialmente nas ações
litúrgicas. Está presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro -
«O que se oferece agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se ofereceu na
Cruz» (20) -quer e sobretudo sob as espécies eucarísticas. Está presente com o
seu dinamismo nos Sacramentos, de modo que, quando alguém batiza, é o próprio
Cristo que batiza (21). Está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao
ser lida na Igreja a Sagrada Escritura. Está presente, enfim, quando a Igreja
reza e canta, Ele que prometeu: «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu
nome, Eu estou no meio deles» (Mt. 18,20).
Em tão grande obra,
que permite que Deus seja perfeitamente glorificado e que os homens se
santifiquem, Cristo associa sempre a si a Igreja, sua esposa muito amada, a
qual invoca o seu Senhor e por meio dele rende culto ao Eterno Pai.
Com razão se
considera a Liturgia como o exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os
sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação
dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo - cabeça e membros - presta a
Deus o culto público integral.
Portanto, qualquer
celebração litúrgica é, por ser obra de Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a
Igreja, ação sagrada par excelência, cuja eficácia, com o mesmo título e no
mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja.
A Liturgia terrena, antecipação da Liturgia celeste
8. Pela Liturgia da
terra participamos, saboreando-a já, na Liturgia celeste celebrada na cidade
santa de Jerusalém, para a qual, como peregrinos nos dirigimos e onde Cristo
está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do verdadeiro
tabernáculo (22); por meio dela cantamos ao Senhor um hino de glória com toda a
milícia do exército celestial, esperamos ter parte e comunhão com os Santos
cuja memória veneramos, e aguardamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, até
Ele aparecer como nossa vida e nós aparecermos com Ele na glória (23).
Lugar da Liturgia na vida da Igreja
9. A sagrada
Liturgia não esgota toda a ação da Igreja, porque os homens, antes de poderem
participar na Liturgia, precisam de ouvir o apelo à fé e à conversão: «Como
hão-de invocar aquele em quem não creram? Ou como hão-de crer sem o terem
ouvido? Como poderão ouvir se não houver quem pregue? E como se há-de pregar se
não houver quem seja enviado?» (Rom. 10, 14-15).
É por este motivo
que a Igreja anuncia a mensagem de salvação aos que ainda não têm fé, para que
todos os homens venham a conhecer o único Deus verdadeiro e o Seu enviado,
Jesus Cristo, e se convertam dos seus caminhos pela penitência (24). Aos que
crêem, tem o dever de pregar constantemente a fé e a penitência, de dispô-los
aos Sacramentos, de ensiná-los a guardar tudo o que Cristo mandou (25), de
estimulá-los a tudo o que seja obra de caridade, de piedade e apostolado, onde
os cristãos possam mostrar que são a luz do mundo, embora não sejam deste mundo,
e que glorificam o Pai diante dos homens.
10. Contudo, a
Liturgia é simultaneamente a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a
fonte de onde promana toda a sua força. Na verdade, o trabalho apostólico
ordena-se a conseguir que todos os que se tornaram filhos de Deus pela fé e
pelo Batismo se reúnam em assembleia para louvar a Deus no meio da Igreja,
participem no Sacrifício e comam a Ceia do Senhor.
A Liturgia, por sua
vez, impele os fiéis, saciados pelos «mistérios pascais», a viverem «unidos no
amor» (26); pede «que sejam fiéis na vida a quanto receberam pela fé» (27); e
pela renovação da aliança do Senhor com os homens na Eucaristia, e aquece os
fiéis na caridade urgente de Cristo. Da Liturgia, pois, em especial da
Eucaristia, corre sobre nós, como de sua fonte, a graça, e por meio dela
conseguem os homens com total eficácia a santificação em Cristo e a
glorificação de Deus, a que se ordenam, como a seu fim, todas as outras obras
da Igreja.
A participação dos fiéis
11. Para assegurar esta
eficácia plena, é necessário, porém, que os fiéis celebrem a Liturgia com retidão
de espírito, unam a sua mente às palavras que pronunciam, cooperem com a graça
de Deus, não aconteça de a receberem em vão (28). Por conseguinte, devem os
pastores de almas vigiar por que não só se observem, na ação litúrgica, as leis
que regulam a celebração válida e lícita, mas também que os fiéis participem
nela consciente, ativa e frutuosamente.
EDUCAÇÃO LITÚRGICA E
PARTICIPAÇÃO ATIVA
14. É desejo ardente
na mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e ativa
participação nas celebrações litúrgicas que a própria natureza da Liturgia
exige e que é, por força do Batismo, um direito e um dever do povo cristão,
«raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido» (1 Ped. 2,9;
cfr. 2, 4-5).
Na reforma e
incremento da sagrada Liturgia, deve dar-se a maior atenção a esta plena e ativa
participação de todo o povo porque ela é a primeira e necessária fonte onde os
fiéis hão-de beber o espírito genuinamente cristão. Esta é a razão que deve
levar os pastores de almas a procurarem-na com o máximo empenho, através da
devida educação.
Mas, porque não há
qualquer esperança de que tal aconteça, se antes os pastores de almas se não
imbuírem plenamente do espírito e da virtude da Liturgia e não se fizerem
mestres nela, é absolutamente necessário que se providencie em primeiro lugar à
formação litúrgica do clero. Por tal razões este sagrado Concílio determinou
quanto segue:
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