Meu parente se matou, está condenado no inferno? O que a Igreja Católica diz?
Nestes dias, antes de começar a Santa Missa veio uma senhora conversar comigo dizendo que havia perdido sua irmã que tinha se suicidado. O desespero na família já se apossava de todos os sentimentos, pensamentos e ações, chegando até impedir que alguns seguissem a vida laboral normalmente. A afirmação era: “a fulana era uma pessoa de fé, mas que em meio a tantos problemas, entrou em uma depressão que, mesmo com a ajuda de um especialista, resolveu tirar a vida”. Questão: esta pessoa está condenada, foi para inferno? O que a Igreja diz?
Primeiro temos que entender que o suicídio foi tema que a séculos vem sendo debatido, definido e contraposto com certas afirmações.
Suicídio é o ato ou efeito de suicidar-se; uma ruína procurada de livre vontade ou por falta de discernimento ou prazer em não querer viver mais. Então, suicidar-se – é dar morte a si próprio. O Catecismo da Igreja Católica nos ensina que o suicídio é um pecado grave, contrário ao amor do Deus Vivo (2281). E que ele contradiz a inclinação natural do ser humano a conservar e perpetuar a própria vida (2280). Porque devemos receber a vida com reconhecimento e preservá-la para sua honra e salvação de nossas almas. Somos administradores e não os proprietários da vida que Deus nos confiou.
Existem muitos sintomas que podemos perceber que, se não trabalhados, podem levar como consequência ao suicídio. Dentre tantos podemos citar os mais comuns: depressão profunda e isolamento, baixo alto-estima, estado constante de euforia, pessimismo agudo, desvalorização de si mesmo, etc., formando em sua mente o suicídio esquematizado que mais cedo ou mais tarde será executado.
Suicídio na Bíblia
Na palavra de Deus encontramos alguns exemplos, bem diversificados de pessoas que se suicidaram, começando pelo Antigo Testamento até o Novo, onde vos convido a tomar a sua Bíblia e ler cada versículo indicado:
– o caso de Abimaleque, que pediu para o matarem por uma questão de ‘honra’- Juízes 9, 54;
– o caso de Saul, e o seu escudeiro, que também por motivo de guerra, para não ser morto pelos incircuncisos, como ele mesmo disse, pede a morte. Onde o seu escudeiro tomou provavelmente a mesma atitude pelo mesmo motivo- I Samuel 31, 4-51;
– o caso Aquitofel, ele é a figura do traidor, colaborador decisivo na ascensão de Absalão que decepcionado se mata- II Samuel 17, 23;
– Zambri, apresenta seu suicídio após o cerco a Tirsa - I Reis 16,18.– talvez o mais conhecido caso, o de Sansão, que se matou, para cumprir um ‘mandado de Deus’- Juizes 16, 30;
– o caso de Judas, que se matou após trair o Senhor, talvez pela angústia que tomou conta de seu ser- Mt 27:5.
O suicídio pode acontecer com qualquer um
Percebemos então que o suicídio pode acontecer com qualquer pessoa, pois se a pessoa está fraca, não encontra mais em quem confiar, não tem amor, nem ajuda espiritual constante, podendo sim, por um descuido qualquer, por parte dos que o rodeiam, procurar o fim de sua vida. Certas pessoas são tentadas, agredidas, humilhadas e cegas pela força do mal, chegando até causar nas pessoas que tem um contato direto com ela, uma certa impaciência que, percebida pelo enfermo, facilitará o mais rápido possível fim da pessoa. Pois o Inimigo existe! e sua alegria é dar fim as almas queridas por Deus. Por isto, nós devemos estar aptos a atender estas criaturas, estando cientes de que devemos encaminhar-las para uma ajuda especializada, dando ao mesmo tempo um forte apoio familiar, moral e espiritual, para que tenha novamente a vontade de viver.
A Sagrada Escritura ensina que a partir do momento, no qual a pessoa verdadeiramente crê em Jesus Cristo e vive de sua palavra, vive eternamente (Jo 3, 16) pela graça do Batismo. Sendo assim, nada pode separar o Batizado do amor de Deus! “Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o futuro, Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor” (Rm 8, 38-39). Se nenhuma “criatura” pode separar um cristão do amor de Deus, então nem mesmo o suicídio pode separá-lo do amor do Senhor da vida. Jesus morreu por todos os nossos pecados… e se um cristão, em tempo de crise e fraqueza espiritual, cometer suicídio – também este é um pecado pelo qual Cristo morreu, cabendo somente a ele o julgamento.
Devemos ter cuidado! aquilo que parece ser uma crise, pode ser uma enfermidade psicológica ou espiritual. A Igreja aconselha a não julgarmos a ninguém que se apresenta com essas falências, tão pouco acusar-las de certas palavras, entre elas, a de “a pessoa matou-se porque era possuída do diabo”, não. Pois cada caso tem de ser analisado detalhadamente. Pois, pode ser que, mesmo que a pessoa esteja sendo acompanhada por um especialista, quase sempre, tal especialista não foi capaz o suficiente para diagnosticar e ajudar o enfermo. Não porque ele seja incompetente, mas o enfermo não se deixou ser ajudado. Quem sabe que o complemento para a cura estava na compaixão, amor, entendimento, assistência e principalmente na fé? Sendo assim, a culpa não está somente na pessoa que resolveu amenizar seu sofrimento com a morte, mas naqueles que estavam a sua volta também.
A pessoa está condenada, foi para o inferno?
Por causa dos distúrbios psíquicos graves, a angústia ou o medo grave da provocação, do sofrimento ou da tortura, a Igreja nos diz que tal suicídio pode diminuir a responsabilidade do suicida (2282). Sendo assim, não se deve desesperar da salvação das pessoas que se mataram. Porque Deus tem o poder, por caminhos que só ele conhece, de dar-lhes ocasião de um arrependimento salutar. Crendo nisto, a Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida (2283). Não há dúvida que em meio ao início do atentado antes de chegar fim, com a morte, a pessoa se arrepende de imediato. Conheço várias pessoas que tentou contra a sua vida que dizem que “jamais irá praticar tal ato novamente”. Então, por que condenar as pessoas que lamentavelmente por uma fraqueza tirou a sua própria vida? O que falar de pessoas que se matam por um acidente, impensável, mas executado? Se for julgar a todos os casos iguais, elas também estarão na situação de condenação. Mas não! Esta é uma doutrina, fruto da Palavra de Deus, que precisou de muita reflexão para se chegar a uma conclusão.
No curso da Historia da Igreja, por falta de um veredicto claro por parte da Igreja, todos os que tiravam suas próprias vidas, não eram enterrados em cemitérios católicos, não tinham o direito de ter uma cerimônia religiosa e tão pouco era lembrado no Santo Sacrifício da Missa, chegando assim a aumentar a dor dos familiares que choravam por anos, a morte de tais pessoas.
Mas, graças também a progressão do pensamento teológico, tendo mais acertadamente a compreensão de “misericórdia” que temos de Deus, oferecida por Jesus, compreendemos melhor essa verdade.
Certa vez, São João Maria Vianney, ao celebrar a Santa Missa notou que uma mulher vestida de luto estava no final da igreja, chorando. Seu marido havia suicidado na véspera, saltando da ponte de um rio. O santo foi até a ela, no final da Missa, e lhe disse: “pode parar de chorar, seu marido foi salvo, está no Purgatório; reze por sua alma”. E explicou à pobre viúva: “Por causa daquelas vezes que ele rezou o Terço com você, no mês de maio, Nossa Senhora obteve de Deus para ele a graça do arrependimento antes de morrer”. Não devemos duvidar dessas palavras.
Com a morte de Jesus Cristo na Cruz, todos os nossos pecados já não têm o poder de nos condenar
Tenhamos sempre em mente que, com a morte de Jesus Cristo na Cruz, todos os nossos pecados já não poderia nos condenar. Somente o pecado que não pôde ser destruído pelo poder da Cruz, foi o pecado contra o Espírito Santo. Que pecado é este? É o pecado que renega a Graça de Deus, renega a Deus de todo o coração, de todo o entendimento e com toda a alma. É odiar a Deus! este pecado, é uma escolha pessoal que o próprio ser humano faz, onde foge da faculdade de Deus, obrigar as suas criaturas de servir a Ele.
O Senhor olhará com justiça para todas as boas obras da pessoa
Compreendemos à luz do ensinamento da Igreja que dependendo do estado da fé e do grau da enfermidade psíquica do suicida, a gravidade do pecado mortal é diminuído, onde Deus não vai sobrepor esse ato horrível de morte sobre todas as ações de fé, caridade, cumprimento da Palavra, vida íntegra e amigável que a pessoa praticou em vida. Mesmo neste caso magno, o Senhor olhará com justiça para todas as boas obras dela. Como nos ensina Daniel (12, 3) que os que tiverem sido sensatos, receberão a paga de suas obras. Um homem em desespero é capaz de praticar ações que cala até os corações dos bons. Momento de dura prova passou Jesus, chegando a perguntar a seu Pai: “Meu Deus, Meus Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27, 46). Se até o Salvador experimentou na pele tal abandono, quem somos nós para dizer que tal criatura que atentou contra sua própria vida está no inferno?
Rezemos para que o Senhor que tem compaixão dos que sofrem, acolha em seus braços estes seus filhos que, por desesperos, não encontraram neste mundo, o descanso e a paz. Não julguemos, mas confiemos tais pessoas ao coração de Deus.
Autor: José Wilson Fabrício da Silva
Bibliografia
TRESE, Leo John. A fé explicada, 8° Ed., São Paulo, Quadrante, 2003;
AGOSTINI, Nilo. Teologia Moral, o que você precisa saber, 4° Ed., Petrópolis, Vozes, 1997;
CATÓLICA, Catecismo da Igreja, Ipiranga, Vozes, 1993;
PEREGRINO, Bíblia do, São Paulo, Paulus, 2002.