Contexto
Histórico e Teológico do tempo de Santo Agostinho
Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste (Numídia) no
dia 13 de novembro de 354, primeiro filho de um funcionário municipal,
Patrício, e de Santa Mônica. É ele o último padre da Patrística e o primeiro da
Idade Média. Nos
estudos, Agostinho cursou primeiramente em sua terra natal
(Tagaste) continuando em Madaura e posteriormente em Cartago. Em 372 teve um
filho chamado Adeonato com uma jovem que desconhecemos o nome. Foi professor de
retórica em Cartago e depois em Roma, e, por indicação do prefeito de Roma, Símaco,
Obteve a cátedra oficial de mestre em Retórica e Milão.
De 375 a 383 já o inquietavam agora fortes dúvidas sobre a
verdade do maniqueísmo após ser ouvinte destes.
Estando em Milão, travou conhecimento com o
neoplatonismo. Ao mesmo tempo ouvia regularmente os sermões de Santo Ambrosio,
onde percebia um catolicismo mais sublime do que o imaginado. Ambrosio ajudou
Agostinho na compreensão do neoplatonismo em comparação com o cristianismo em
suas similaridades[1]. Fez-se batizar no sábado santo de 387, com seu
filho e alguns de seus amigos por Ambrósio. Pouco tempo depois tornou-se
presbítero e por fim, bispo de Hipona.
Nascido no século IV, Agostinho
faz parte da geração que sucedeu ao fim das perseguições e o acesso da Igreja à
liberdade plena. É uma época marcada por grandes heresias, como o arianismo e
suas sequelas que provocaram os primeiros concílios, Niceia em 325 e
Constantinopla em 381, e suas confissões de fé. Em 410, o mundo romano
perplexo, toma conhecimento da tomada de Roma por Alarico e da pilhagem da
Cidade Eterna por seus comparsas[2]. Esse acontecimento
trágico provoca a fuga de muitos romanos para África ocasionando ataque dos
pagãos contra a religião cristã: se Roma caiu, foi porque abandonou seus deuses
pelo cristianismo. Para refutar essas acusações, Agostinho vai escrever sua
grande obra, De Civitate Dei, que extrapolando seu objeto principal, traça um
quadro de toda a história humana disposta em torno do Antagonismo entre duas
cidades, a Cidade de Deus movida pelo amor de Deus até o desprezo de si, e a
cidade terrestre, guiada pelo amor de si até o desprezo de Deus. Em 396 Santo
Agostinho sucede a São Valério na Sé de Hipona. Ele se encarrega imediatamente
da luta contra os donatistas que começou em Catergo no início do século com
Donato. Em 411 Agostinho começa a luta com os pelagianos, a qual se dedicará em
combatê-los até o fim de sua vida.
Contextualização
da Espiritualidade de Santo Agostinho
No plano espiritual, o
século IV também conhecerá uma transformação importante da qual fará parte
Santo Agostinho. Os historiadores mostraram como a espiritualidade monástica
substituiu o ideal do martírio, como uma reprodução da Paixão do Cristo e de
seu belo testemunho diante de Pilatos. Talvez tenha sido menos enfatizada a
passagem do qual Agostinho será o principal artesão no Ocidente. É possível
constatar essa mudança ao comparar a interpretação das beatitudes de santo Ambrósio
e de santo Agostinho. Para o bispo de Milão, as beatitudes representam os oito
graus do avanço progressivo da vida cristã, desde a humildade até a coroa do
mártir. Aqui explica-se o surgimento do ideal da sabedoria que substituirá o do
martírio, que não poderá mais desempenhar o mesmo papel na Igreja após o
término das perseguições. Mas ele se fixará e se desenvolverá apenas na humilde
meditação das Escrituras cristãs, especialmente as epístolas de São Paulo, como
a primeira aos Coríntios, que revela aos humildes a sabedoria de Deus oculta
aos sábios deste mundo. A vida de Santo Agostinho será uma busca pela
sabedoria. Sua explicação das beatitudes já nos revela o espírito que
acompanhará suas grandes obras.
Podemos dizer muito limitadamente sobre a espiritualidade
agostiniana que é um método que liga a Deus pela via da meditação,
silêncio, ouvir o coração e ouvir-se. É um caminho que proporciona um voltar
para dentro de si mesmo, buscando da Verdade para que, encontrando-a permaneça
nela[3].
A
experiência espiritual proposta por Santo Agostinho pode ser sintetizada da
seguinte forma: busca intensa da Verdade, de Deus; e, tendo-O encontrado, a ele
dedicar-se inteiramente em comunhão com os irmãos. Quer dizer, a busca de Deus,
para Agostinho, identifica-se busca
da Verdade. Mas não diz respeito somente a quem busca verdades sobre as coisas boas, ou a quem ainda
não tem fé, nem a quem ainda não encontrou em Cristo a verdade de sua
existência. Também não se trata unicamente de atividade do pensamento, como
mera atividade filosófica, mas trata-se de uma atitude de fé em constante busca
de Deus; é uma realidade existencial; envolve mente e coração; o ser em sua
totalidade em empenho constante de busca.
Devemos
olhar este método de busca proposto pelo Doutor da Graça e perguntar: Mas como
buscar e onde encontrar Deus? Pela via da interioridade, diz Agostinho, mediante
a contemplação. A interioridade é, então, um movimento para dentro de si mesmo,
não para exercitar o movimento dos próprios pensamentos, mas para ouvir-se, ver-se e, ao se encontrar a
própria mutabilidade, sair de si mesmo para ascender à luz de sua razão, aquele
que a ilumina e lhe fala na consciência[4].
O
exercício da interioridade agostiniana é, então, em seu processo de busca,
libertação da escravidão das coisas(do materialismo e do hedonismo), para
encontrar a Verdade e viver em conformidade
com a mesma. É oração e contemplação; um modo novo de colocar-se diante
do Absoluto, de si mesmo e das coisas; via de esperança que Agostinho aponta
para o homem de hoje: ''é melhor ter menos necessidades que possuir mais
coisas'' (Regra 3,18).
"Não saias fora de
ti, volta-te a ti mesmo; a verdade habita
no homem interior, e, ao dar-te conta de que tua natureza é mutável, transcende
a ti mesmo... Busca, então, chegar lá onde a própria lâmpada da razão recebe
luz'' (A verdadeira religião 72)[5].
O desenvolvimento espiritual de
Agostinho está relatado em suas Confissões; é um itinerário desde os afetos
desordenados até a ordem do amor, em que se chega a Deus, não primordialmente
por meio das práticas ascéticas, nem por uma ascensão intelectual, mas por um
amor humano, voluntário e afetivo, unificado pelo Espírito Santo que se
converte em caridade. Em sua espiritualidade existem aspectos individuais,
sociais e institucionais. É uma visão cristã da vida a que uma pessoa se
compromete por meio das ações. Seu fundamento se encontra na fé em que as
pessoas humanas são amadas por Deus Pai, enquanto ele ama a seu Filho. Esta
verdade, uma vez experimentada, abre o coração para uma íntima comunhão com
Deus na oração e logo no culto litúrgico na comunidade eclesial com a
preocupação dessa daqui por todos. A verdade do amor a Deus por cada ser humano
é revelada por meio dos atos da criação e da encarnação do Filho, efetuada por
Deus Uno e Trino para redimir e santificar a todos. Assim que, para Santo
Agostinho, a espiritualidade denota da vida no Espírito Santo, há qual faz com
que as pessoas humana sejam semelhantes a Cristo, dando-lhes a caridade, que
lhes permite rezar exclamando “Abba, Pai!” (Rm 8, 15). Então, a união com
Cristo, em quem um se converte em filho do Pai, não por natureza, senão por
graça, é para Agostinho a realidade básica da oração e da vida cristã. Isto
origina uma continuada conversão para identificar-se mais e mais com Cristo[6].
Conclusão
Pois, é nessa proposta agostiniana, onde encontramos as
maiores contradições com a vida moderna. A vida em comunidade contrapõe ao
individualismo, à intolerância, ao preconceito nas suas mais variadas faces. A
vida em comunidade tem a sua tradução no mundo de hoje quando nos preocupamos
de forma incondicional com o bem estar do outro e do mundo, pois sem o outro e
sem a natureza ninguém pode sobre-viver, não podemos viver sobre e as custas do
outro mais sim, por e com o outro, que é meu semelhante, digno do mesmo
respeito e direitos. E esse ambiente, de respeito mutuo, só é possível para
Agostinho com a vivência de um outro grande valor agostiniano: a amizade que
não foge de sua espiritualidade. Com isto, podemos concluir que a experiência
espiritual proposta por Santo Agostinho pode ser sintetizada da seguinte forma:
busca intensa da Verdade, de Deus; e, tendo-O encontrado, a ele dedicar-se inteiramente
em comunhão com os irmãos, como já vimos no decorrer da leitura.
José Wilson Fabrício da Silva, crl
(Cônego Regular Lateranense)
[1]
MADRID, Tteodoro C, La Iglesia católica según San Agustín, Madrid, Revista
Agustiniana, 1994. Pág. 292.
[2]
PINCKAERS, Servais, Em busca de Deus nas Confissões: passeando com Santo
Agostinho, São Paulo, Loyola, 2013. Pág. 24.
[3]
AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona,
Confissões: livro X, n. 38., São Paulo, Paulus, 2002. Pág. 299.
[4]
TONNA-BARTHET, Pe. Antonino, Síntese da Espiritualidade Agostiniana, São Paulo,
Paulus, 1995. Pág. 33.
[5] http://www.osabrasil.org/interioridade_carisma.htm Acesso em 19/06/2014 às 14:17.
[6]
DICCIONARIO de San Agustin: San Agustin a través del tiempo, Burgos, Monte
Carmelo, 2006. Pág. 514.
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