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segunda-feira

O SACERDÓCIO EM S. JOÃO CRISÓSTOMO


Crisóstomo tinha as coisas de Deus, como o amor, a preparação sacerdotal, a dedicação aos cargos da Igreja, em altíssima estima e considerava todas como algo que exigia muita preparação.
No dialogo de Crisóstomo com Basílio, com relação a recusa do cargo ao sacerdócio, ele esclarece que seu procedimento esteve bem longe das acusações recebidas de ter agido por ambição, soberba e orgulho. “Pois, no caso de mostrar o mesmo procedimento, quando me fosse apresentada a escolha entre o posto de geral ou rei, com razão poderiam suspeitar disso; mas, nesse caso, ninguém me acusaria de soberba, mas, muito pelo contrário, de loucura”.

Para Crisóstomo o sacerdócio é uma dignidade que supera a realeza muito mais do que o espírito a carne.  “Porventura não seria absurdo taxar de loucos os homens que recusam dignidades inferiores, acusando, ao mesmo tempo de soberba os que agem da mesma maneira com relação a dignidades muito mais altas? Isto seria mais ou menos o mesmo, como se considerássemos não soberbo, mas louco um homem que recusasse ser pastor de gado, - entretanto, consideraríamos não louco, mas soberbo, quem recusasse o domínio sobre o mundo e o comando supremo sobre todos os exércitos da terra”.

Não é assim, e, os que o afirmam, injuriam menos a mim do que a si próprios. Só o pensamento de ser possível à natureza humana desprezar tal dignidade já condena a todos os que assim opinam. Por isso se não considerassem o sacerdócio uma coisa bastante comum, nunca lhes teria surgido tal suspeita.

É interessante a comparação da dignidade sacerdotal que Crisóstomo faz com a dignidade dos anjos. Pelo fato de ele não ter aspirado ao sacerdócio foi acusado de soberba, mas ele se pergunta como fica isso em relação à dignidade angélica: “por que – com relação à dignidade dos anjos – nunca ninguém afirmou que o homem só por soberba não aspira a essa dignidade? Temos conceitos bem elevados sobre aquelas potências, e é justamente isso que nos impede de imaginar que um mortal possa aspirar a algo tão alto como essa dignidade”.

Assim, a acusação de soberba retorna para os acusadores, pois jamais teriam “julgado outros, se antes não tivessem considerado todo isso de somenos importância”. Percebe-se que por traz das acusações há uma grande ignorância quanto à dignidade sacerdotal. Por fim, a última acusa que podiam trazer foi de acusá-lo de ambição. Mas se Crisóstomo tivesse sido vítima dessa ambição com certeza teria aceitado a dignidade, muito antes de ter fugido dela.

Por quê? Por ter-lhe trazido muitas honras! O que aconteceu na escolha de Crisóstomo também nos nossos dias pode acontecer. Segue seu pensamento: “Pois o fato de eu – nesta idade, tão jovem, e tendo saído apenas recentemente das atividades profanas – lhes parecer tão estimável que preferiram a mim, dando-me mais votos do que a homens que já tinham dedicado toda uma vida à comunidade, teria criado para mim uma estima extraordinariamente grande e até a posição de um homem importante e digno de honra”. Mas Crisóstomo diz que, fora alguns poucos, a grande maioria da Igreja nem o conhecia de nome. Portanto, nem todos sabiam que recusou o cargo; apenas alguns poucos, e, destes, nem todos tinham conhecimento da realidade. Pelo contrário, ele pensava que a maioria achava que ele não tenha sido eleito, ou, que uma vez eleito, tenha sido rejeitado por incapacidade, mas nunca que voluntariamente se tenha sido esquivado.

Mesmo que a maioria ou a minoria tivessem conhecido a realidade, para Crisóstomo, nunca poderiam tê-lo acusado de ambição e soberba. Não só os que acusam, mas também os que suspeitam se colocam em grave perigo.

Através de seu esclarecimento Crisóstomo apresenta a essência do sacerdócio: “embora seja exercido na terra, possui ele contudo o caráter de instituição celeste... Pois nenhum homem, nenhum anjo, arcanjo ou outro poder criado, senão o próprio Paráclito instituiu esta função, encarregando homens de carne e osso a exercerem o serviço dos anjos. Pois isso é mister que, quem for sagrado sacerdote, seja puro como se estivesse no céu e no meio dos anjos”.

Oxalá isso fosse compreendido e vivenciado por todos os que foram constituídos na dignidade sacerdotal!

Há uma serie de funções que Crisóstomo apresenta comparando a grandeza do ministério presbiteral em relação ao sacerdócio do Antigo Testemanto: “Talvez mesmo as instituições de antes do tempo da graça já tenham incutido temor e tremor (Ex 28,2), assim como as campainhas, as pedrarias e anéis no peitoral e nos ombros, o efod e o Santuário em seu silêncio. Examinado, porém, o que a graça nos trouxe, constatamos que tudo isso perde de importância verificando-se, também nisso, o que Paulo disse sobre a Lei: ‘E diante desta glória eminente, o esplendor do primeiro ministério já não é mais glória’ (2Cor 3,10).

Crisóstomo fala do Santuário em seu silêncio! Mas hoje, onde podemos encontrar o silêncio nas nossas igrejas? Há uma grande dificuldade quando se quer ficar no recolhimento, no silêncio e na oração. Há Igrejas que parecem verdadeiras praças de recreação, parecidas com aquelas que Crisóstomo fala nas suas homilias, como lugar de entretenimento dos cidadãos dentro da cidade. Se insiste, e isso, até por parte de muitos presbíteros na Igreja, que as pessoas ao chegarem à Igreja e antes de começar a celebração olhassem para quem estiverem ao seu lado e se cumprimentassem. Esquece-se também algo muito importante, isto é, que há pessoas que vão a Igreja para procurar também um encontro íntimo e pessoal com o Senhor.

Aqui no Brasil, é um desafio para quem deseja chegar à Igreja pelo menos deis minutos antes da celebração para rezar. Só isso não é possível devido a falta de clima de recolhimento e oração. Deus não fala no barulho e na confusão. Todos os grandes Padres e Pastores da Igreja são unânimes que para escutar a voz de Deus se exige silêncio e recolhimento. 

A Instrução Geral sobre o “Missal Romano” chama atenção a toda a Igreja em relação ao silêncio e recolhimento antes de iniciar qualquer celebração: “Convém que já antes da própria celebração se conserve o silêncio na igreja, na sacristia, na secretaria e mesmo nos lugares próximos, para que todos se dispunham devota e devidamente para realizarem os sagrados mistérios” (n.45). Se depois de uma celebração os fiéis saem da Igreja do mesmo jeito, ou pior, será que isso terá algum sentido? Na celebração deve acontecer algo profundo e transformador no coração da comunidade, e isto, porque se há o contato do humano com o divino, ou seja, das pessoas com o mistério.       

“Pois, vendo o Senhor deitado como vítima e, em frente dele, o sacerdote rezando e tingindo a todos com este sangue precioso, porventura ainda pensas estar entre homens e nesta terra? Não te sentes, antes, ser arrebatado para dentro do céu? Acaso não atiras para longe qualquer pensamento carnal e não contemplas estas coisas celestiais com espírito puro e o coração sincero?”

Cada celebração é um grande milagre na comunidade. Para nos ajudar a compreender o que acontece na Santa Missa, Crisóstomo faz uma comparação com o culto de Elias. “Ainda queres ver em outro milagre a incomensurável santidade deste sacrifício? Lembra-te de Elias! Em redor dele, grande multidão! A vítima está em cima da pedra! Todos em grande silêncio! Só o profeta orando! Repentinamente cai fogo do céu, consumindo o holocausto (3Rs 18,38). Foi um milagre que despertou o espanto em todos”. Mais uma vez Crisóstomo destaca o momento do grande silêncio por parte de todos que estiveram ao redor de Elias em oração.

Trazendo para nossa celebração, o que acontece entre nós durante a celebração? “Aqui está o sacerdote, chamando não um simples fogo, mas o próprio Espírito Santo. Reza a grande prece, não para chamar fogo do céu que consuma a vítima, mas para que venha a graça de Deus e, por meio das ofertas do sacrifício, incendeie as almas de todos, a fim de que cheguem a brilhar mais claras do que prata purificada pelo fogo”.

Aqui está a essência e a grandeza do sacerdócio. “Alma humana alguma – conclui Crisóstomo – suportaria o peso deste sacrifício, caso o próprio Deus com sua graça poderosa não o fortalecesse”.

Irmã Ângela Maria Rodica TutasDoutora em Ciências Eclesiásticas Orientais
Professora de Patrística no Instituto Regional de Formação Presbiteral da CNBB Norte 2

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