A Igreja sempre considerou as Sagradas Escrituras, e continua a considerar, juntamente com a Sagrada Tradição, como regra suprema da sua fé[1].
Uma só fonte da Revelação
Há uma íntima conexão entre a Sagrada Escritura e a Sagrada Tradição da Igreja, já que ambas brotam do único manancial divino, têm idêntico objetivo e tendem ao mesmo fim[2].
Dentro de uma correta interpretação, podemos dizer, sem receio de errar, que a Sagrada Escritura contém toda verdade revelada por Deus e que a Sagrada Tradição, sozinha, é via pela qual é possível conhecer certas verdades reveladas. Porém, essas concepções podem gerar a ideia de que existem duas fontes separadas da Revelação, o que não é certo.
Para melhor enxergar o valor individual de cada uma e assim dar-lhes o mesmo afeto e veneração, torna-se conveniente dizer que existe uma relação orgânica entre elas, uma unidade intrínseca. Ambas têm a mesma origem e inspiração divina. O que as distingue é somente o modo como comunicam as verdades.
De fato, para a vida da Igreja a Sagrada Escritura é mais acessível e prática, já que nela todos os fiéis podem encontrar num só livro – a Bíblia -, as verdades de fé e costumes que Deus quis revelar ao seu povo, a fim de transmiti-las a todos os povos. Enquanto que a Sagrada Tradição está disseminada em muitíssimas e variadas obras. Mas, sem perderem as suas diferenças e propriedades particulares, Escritura e Sagrada Tradição se unem e se fundem para construir um único depósito da Palavra de Deus[3]. Por isso, quem quiser compreender com precisão todas as questões relacionadas com a fé e os costumes, deve aferi-las com uma e com outra. Não podemos contar só com a Escritura e nem só com a Sagrada Tradição, porque não há dois rios – um escrito por inspiração divina e outro oralmente transmitido pela assistência de Deus – onde podemos beber a água viva das verdades reveladas, mas há uma só torrente, formada por essas duas correntes que se juntam e se integram.
A fonte única do sistema é Cristo, o Verbo Encarnado, verdadeira Palavra de Deus enviada aos homens, plenitude da Revelação. Dessa fonte emanam, para formar um só manancial, a Sagrada Escritura e a Sagrada Tradição, unidas como as águas de um rio o estão ao seu leito. Assim, é impossível conceber uma Escritura independente da Sagrada Tradição, nem uma Sagrada Tradição independente da Escritura. Não há necessidade de subordinar para unir, nem de separar para distinguir. Ambas são e formam a vida da Igreja.
A Sagrada Tradição explica as Escrituras santas
A Sagrada Tradição da Igreja é onde melhor encontramos a interpretação e compreensão correta daquilo que Deus diz na Sagrada Escritura e de onde extraímos as certezas de todas as verdades reveladas por Ele e que não podem ser conhecidas apenas com as Escrituras. E isso é assim por estar na Sagrada Tradição a condensação dos estudos e escritos que os santos dos primeiros séculos do cristianismo fizeram das divinas letras.
Esses homens, ainda que menos imbuídos de erudição profana e de conhecimento de línguas que os estudiosos modernos, no entanto, se distinguem por certa suave perspicácia das coisas celestes e pela agudeza de raciocínio, pelas quais penetram nas profundidades da palavra divina e põem em evidência tudo quanto pode conduzir ao conhecimento da doutrina de Cristo e à santidade[4].
A Escritura, além do mais, necessita da Sagrada Tradição para que conheçamos a sua existência, a sua legitimidade, a sua autenticidade e a sua integridade[5].
Por outro lado, a Sagrada Tradição não poderia dar vida à Igreja se estivesse à margem da Sagrada Escritura, já que não foi assim que atuaram os seus testemunhos, que em seus escritos mostram extraordinariamente como amaram os livros santos.
E para entender definitivamente a união inseparável que há entre a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura, basta que digamos que a Sagrada Tradição não é outra coisa que a mesma vida da Igreja. Vida que se desenvolve e continua a se desenvolver organicamente desde seu nascimento, passando pelos escritos de pessoas santas, que souberam aproveitar-se dos tesouros contidos nos livros sagrados para enriquecer e dar vigor à Igreja. Vida que o Magistério Eclesiástico incrementa com o alento dado pelo Espírito, que é quem, da parte de Jesus Cristo, ensina a verdade (cfr Jo 14, 15-26).
Por tanto, não há nenhuma sombra de dúvida de que a Sagrada Tradição não só produz um influxo vital para a vida da Igreja, se não que é a mesma vida da Igreja, porque, intimamente unida e compenetrada com a Sagrada Escritura, busca a gloria de Deus e a participação de toda a criação nessa gloria.
Daí que a Igreja, no empenho de tronar prática as aportações do Concílio Vaticano II, tem estudado e atualizado os seus documentos, como o fez no último Sínodo sobre a Palavra. E fruto desse empenho são estas palavras do Papa Bento XVI: “é importante que o Povo de Deus seja educado e formado claramente para se abeirar das Sagradas Escrituras na sua relação com a Tradição viva da Igreja, reconhecendo nelas a própria Palavra de Deus. É muito importante, do ponto de vista da vida espiritual, fazer crescer esta atitude nos fiéis”[6].
[1] Constituição “Dei Verbum”, n. 21
[2] Constituição “Dei Verbum”, n. 9
[3] Constituição “Dei Verbum”,, n 10
[4] Cfr. Papa Pio XII, “Divino afflante Spiritu”, em Enchiridion Biblicum, n. 554, pp. 219-220.
[5] Constituição “Dei Verbum”, n. 8
[6] Papa Bento XVI, Exortação Apostólica Pós Sinodal “Verbum domini”, n. 18.
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