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quinta-feira

Depois do pó, a ressurreição

 



Bento XVI



ROMA, quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012 (ZENIT.org) - Conforme a tradição, a quarta-feira de cinzas foi marcada pela celebração das "estações" romanas, uma procissão penitencial entre a Igreja de Santo Anselmo no Aventino e a Basílica de Santa Sabina.
Na procissão, liderada pelo papa Bento XVI, participaram os cardeais, arcebispos, bispos, os monges beneditinos de Santo Anselmo, os padres dominicanos de Santa Sabina e alguns fiéis. Bento XVI presidiu a missa com o rito da bênção e a imposição das cinzas na Basílica de Santa Sabina, depois da procissão.
O sinal litúrgico das cinzas, disse o papa durante a homilia, já estava enraizado na cultura judaica, para a qual "o costume de aspergir de cinzas a cabeça em sinal de penitência era comum, assim como vestir-se de trapos".
As cinzas na liturgia católica, ao contrário do óleo, da água, do pão e do vinho, são um sinal "não sacramental", mas ainda assim "ligado à oração e à santificação do povo cristão".
As cinzas nos levam "até o grande afresco da criação, que diz que o ser humano é uma unidade singular da matéria e do sopro divino, através da imagem do pó da terra moldado por Deus e animado pelo seu sopro, insuflado nas narinas da nova criatura".
No Gênesis, o símbolo do pó passa depois por uma "transformação negativa por causa do pecado". Ela "deixa de referir-se ao ato mais criativo de Deus, todo aberto à vida, e se torna um sinal de um destino inexorável de morte: tu és pó e ao pó retornarás (Gn 3,19)".
A terra, portanto, "compartilha o destino do homem", disse o papa, citando São João Crisóstomo, que, por sua vez, observou que tudo é imposto ao homem "de uma forma contrária ao seu estilo de vida anterior" por causa da sua desobediência.
Acontece uma "maldição do solo", que tem "função medicinal para o homem", prossegue Bento XVI. A "resistência da terra" deve ajudar as pessoas a "permanecer dentro dos seus limites e reconhecer a sua natureza".
Isto significa, explicou o papa, "que a intenção de Deus, sempre benéfica, é mais profunda do que a sua própria maldição", devida não a Deus, mas ao pecado, porque Deus "respeita a liberdade humana e as suas consequências, mesmo que negativas".
Ao anunciar ao homem que ele "é pó e ao pó retornará", Deus não só anuncia a "punição justa" aos seres humanos, mas também "uma forma de salvação, que passará por dentro da terra, através do pó, ou da carne que será assumida pelo Verbo".
O pó, as cinzas, nos recordam, portanto, a necessidade da "penitência", da "humildade", nos lembram da nossa "condição mortal", não para nos aprofondarmos no desespero, mas para reforçar em nós "a impensável proximidade de Deus", que abre caminho para a ressurreição, "o paraíso enfim recuperado".
Como Orígenes sublinha, o homem "é novamente ressuscitado da terra" por mérito do perdão do próprio Deus, que, observou Bento XVI, "quis partilhar na pessoa do seu Filho a nossa condição, mas não a corrupção do pecado".
"O Deus que expulsou nossos primeiros pais do Éden enviou seu Filho à nossa terra devastada pelo pecado, e não o poupou, para que nós, filhos pródigos, possamos voltar, arrependidos e remidos pela sua misericórdia, ao nosso lar verdadeiro", conclui o pontífice.

sábado

Nota de agradecimento pelas visitas realizadas em nosso Blog durante esse mês

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Para que haja bons sacerdotes é preciso formar bons seminaristas

 

Conclusões do curso sobre a formação espiritual nos seminários

Como obter resultados positivos na formação espiritual dos seminaristas? Como fazer para que os candidatos ao sacerdócio tenham maior clareza vocacional? O subjetivismo e a secularização representam um desafio para as novas gerações de sacerdotes?

Estas e outras questões foram discutidas durante a semana de estudo La formazione spirituale personale nei seminari (A formação espiritual pessoal nos seminários), realizada de 7 a 11 de fevereiro, no centro de formação sacerdotal da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma.
O evento contou com a presença do cardeal Zenon Grocholewski, prefeito da Congregação para a Educação Católica, da Santa Sé.
Reitores de seminários, diretores espirituais e outros formadores, provenientes de diversas dioceses, contextos culturais e eclesiais puderam compartilhar ideias sobre como formar melhor aqueles que serão os sacerdotes das próximas gerações.

Algumas intervenções
Dom Francesco Cavina, da secretaria de Estado do Vaticano, em sua palestra sobre as primícias eclesiais nos candidatos para o sacerdócio, referiu-se aos novos desafios que os seminários de hoje enfrentam: enquanto, antigamente, muitos sacerdotes cresciam em famílias grandes, num ambiente católico, e descobriam sua vocação muito cedo, agora pertencem a famílias pequenas, muitas vezes de pais divorciados, nas quais não necessariamente receberam uma educação católica, e que fizeram sua opção em uma idade já madura.
O prelado apresentou algumas estatísticas que mostram como, hoje, muitos dos novos seminaristas provêm de grupos de jovens paroquiais e diocesanos, movimentos eclesiais, ou jornadas mundiais da juventude.
Por sua parte, Enrique da Lama, da Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra, abordou o tema do acompanhamento espiritual, da necessidade da amizade, da consciência como esse sacrário interior da mente e do espírito.
Ele também se referiu ao tema da solidão em que o homem de hoje vive e alertou sobre o perigo de confundir a direção espiritual com uma consulta psicológica. Esclareceu que é essencial ver o homem em sua unidade biopsicoespiritual.
Da Lama disse que a direção espiritual deve centrar-se “no valor da amizade, no respeito à soberania da própria consciência e na ação do Espírito Santo”, ao invés de limitar-se apenas a um simples acompanhamento ou aconselhamento esporádico.
Para Paul O’ Callaghan, professor de teologia dogmática na Universidade da Santa Cruz, a vida espiritual do sacerdote é forjada especialmente no seminário.
Meios para a formação
Os oradores salientaram a necessidade de recorrer a documentos como a Pastores dabo vobis, do Papa João Paulo II, e a Carta aos seminaristas, de Bento XVI.
Os participantes tiveram a oportunidade de discutir a questão da relação com os superiores ou formadores, a quem decidiram chamar de “educadores”, esclarecendo que quem forma é o Espírito Santo.
Disseram que o principal inimigo da vocação ao sacerdócio, mais que os pontos de discordância com as autoridades, é a vida dupla ou a hipocrisia.
Direção espiritual e fragilidade humana
O curso também abordou o tema da fragilidade emocional e psicológica, com duas intervenções: de Dom José María Yanguas, bispo de Cuenca (Espanha), e do psiquiatra Franco Poterzio.
Ambos se referiram à questão do desafio da imaturidade dos adolescentes e jovens (narcisistas, fracos, tristes e instáveis), que se prolonga em adultos inconstantes e dependentes. Estes são tópicos que devem ser abordados com frequência nos seminários.
A maneira de quebrar este círculo é procurar nos candidatos ao sacerdócio “a harmonia interna e externa do homem que integrou razão, vontade, sentimentos e instintos”, sem descuidar da correção, quando necessário.
O último dia do curso foi dedicado ao tema da formação da plena maturidade espiritual; os assistentes e expositores puderam concluir que alguns meios para responder a este desafio são a oração e a caridade pastoral, que ajudam a construir personalidades “estruturadas em torno do sentido oblativo da vida, praticando constantemente as virtudes, através de critérios claros e com um coração felizmente centrado em Cristo”.
(Carmen Elena Villa)

Carta do Presidente da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada

 

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

Comissão Episcopal Pastoral para Os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada
Prot. 0560/2011
Palmas, 19 de junho de 2011
Amado irmão, sacerdote do Brasil,
Tenho Sede!
Pela primeira, vez, desde que meus irmãos bispos me elegeram presidente da Comissão Episcopal para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada, me dirijo a você, meu irmão, sacerdote do Brasil, para recordá-lo que no dia primeiro de julho deste ano, solenidade do Sagrado Coração de Jesus, é o Dia Mundial de Oração pela Santificação do Sacerdote. Que graça e que benção ver a Igreja, nossa Mãe, rezando por nós, seus filhos queridos e prediletos.
Cuidar da santidade é cuidar das raízes da nossa vida para ela dê flores e frutos espirituais. A santidade é um dos horizontes da vida da Igreja mais belos de se contemplar. É como contemplar o nascer ou o pôr do sol nos países tropicais. Deus mesmo mandou Moisés falar à comunidade de Israel: “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lv 19,2.11,44) que, na boca de Jesus se tornou perfeição (Mt 5,48) e misericórdia (Lc 6,36). O venerável beato João Paulo II, no encerramento do jubileu do ano 2000, fez um convite à Igreja inteira a colocar a santidade como alicerce da sua vida e missão (NMI 31). E disse ainda mais que “todo fiel é chamado à santidade e à missão” (RM 90). Imaginemos nós a que somos chamados: “santos e capazes”.
Por isto, amado irmão, não deixe passar em branca página este dia. Reúna seus colaboradores, convide seus paroquianos, motive-os, exerça seu poder de convocação e de convencimento e sua missão de guia espiritual, para passar, ao menos, uma hora de oração pela santificação dos sacerdotes. Combine bem o horário e o que vai acontecer: Hora santa, adoração ao Santíssimo Sacramento, celebração, Ofício Divino, missa… Em anexo, estamos enviando as sugestões, feitas pela Congregação para o Clero.
Além do mais, o mês de julho é o mês das férias. Muitos paroquianos resolvem viajar e as Igrejas ficam mais vazias. E, por isto, sobra, nas agendas apertadas, um tempo livre para meditar, contemplar, rezar, ler, estudar, passear… Pensando nisso, estamos sugerindo, para estas férias, como complementos para a Jornada Mundial de Oração pela Santificação dos Sacerdotes, dois artigos: o primeiro, é um antigo artigo, escrito por Segundo Galileia, intitulado: Os demônios do Apostolado; e o segundo, um artigo mais recente, do cardeal Cláudio Hummes, intitulado: Os Presbíteros no mundo, hoje.
Espero não ter sido ousado em sugerir estas estratégias e estes artigos. A nossa intenção é contribuir para a santificação do clero. Nada mais do que isto. E isto nos basta.
Rezo por você, caro irmão, e peço o mesmo para mim.
Na caridade de Cristo, Bom Pastor, um santo e abençoado dia de oração.
Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas
Presidente da Comissão para os
Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada

Os demônios do apostolado

“Sejam advertidos, pois, os que são muito ativos, que pensam abarcar o mundo com suas pregações e obras exteriores, que fariam muito mais bem á Igreja e agradariam muito mais a Deus, sem falar no bom exemplo que dariam, se gastassem ao menos a metade deste tempo em estar com Deus em oração… Com isso, fariam mais e com menos trabalho com uma só obra do que com mil, alcançando merecimento de sua oração e recobrando forças espirituais com ela; do contrário, tudo não passa de agitação, de fazer pouco mais que nada e, às vezes, nada e, outras vezes, dano” (São João da Cruz)

Preâmbulo

Uma boa prática profissional, para que seja eficaz, humanizadora e aceitável aos seus beneficiados, requer competência científica e certos valores da parte do profissional.
Um médico deve ser competente: sem competência, ele não pode prestar um serviço à saúde e sua profissão se torna ineficiente; para ter êxito, requer também certas qualidades e atitudes de espírito: inspirar confiança, estar disponível ao enfermo, ter tino, ser confidente… Este conjunto de valores conformam o que se chamaria em linguagem cristã “a espiritualidade” de um médico.
O apostolado, a “profissão apostólica”, exige condições análogas: competência e uso de métodos pertinentes, certos conteúdos e temas que é preciso conhecer, uma mensagem adequada a transmitir… Exige, igualmente, certas atitudes, convicções e valores espirituais da parte do apóstolo. É o que propriamente constitui a “espiritualidade” de um médico.
Entretanto, o apostolado, por sua própria natureza, é diferente de qualquer outra profissão ou atividade: sua espiritualidade é essencial para sua eficácia: a atitude do apóstolo é condição necessária para o fruto de seu apostolado.
Pois, um médico competente, ainda que seja medíocre de espírito e eticamente falando, pode ter êxito e curar pacientes. Mas um apóstolo carente de espírito, normalmente não alcançará êxito decisivo e profundo, a não ser aparente. Dizemos “normalmente”, porque pode suceder que Deus, em sua bondade, faça grandes coisas através de um servidor medíocre. Na realidade, aqui o espírito é mais necessário do que a habilidade.
Por que as coisas são assim? Basicamente porque o apostolado é uma profissão de Deus feito homem, e não é uma profissão humana. Seu objeto é transmitir o caminho, a verdade e a vida de Deus e não a do ser humano. Por isso, Jesus Cristo é o único apóstolo, e os seres humanos são apóstolos na medida em que Jesus os chama para tal e lhes comunica seu poder.
Daí que o espírito e os valores do apóstolo, vêm total e unicamente de sua relação com Jesus Cristo: ele é um eleito dele, seu enviado e seu instrumento, ao mesmo tempo livre e dependente do poder apostólico de Deus. Daí nascem todas as atitudes, os valores e as convicções que configuram a espiritualidade do apostolado.
Estes valores, os encontramos em Jesus, que é sua fonte e modelo, e nos santos por imitação de Cristo. Naqueles que ainda não são santos, estes valores também estão presentes, mas mesclados com incoerências múltiplas e com tentações mais ou menos consentidas. Por isso, um bom modo de conhecer o espírito do apostolado é conhecer as incoerências e tentações a que está submetido. O espírito bom ressalta por contraste com o espírito mau, e se conhece melhor uma virtude, ao conhecer os “demônios” que a tentam.
Vejamos alguns dos “demônios” mais corriqueiros do apostolado. Para identificá-los, sirvamo-nos da experiência, vista a partir do ideal cristão do apostolado. Através das tentações, este ideal revelar-se-á a nós por contraste, como a sombra revela a luz.

1. O Messianismo
O demônio do messianismo induz o apóstolo a constituir-se no centro de toda atividade pastoral em que está engajado. É uma tentação que vai penetrando sutilmente sua vida, até levá-lo a sentir-se indispensável em tudo.
O messianismo constitui basicamente uma atitude deficiente em relação a Deus: eu sou o “piloto” e o Senhor é o “co-piloto” ajudante. Quem cai nesta tentação, não é que deixe de levar Deus em conta, de rezar e de recorrer a ele diante dos problemas, mas o faz para que Deus simplesmente lhe ajude no apostolado que ele próprio dirige e planeja. Em última análise, se busca incorporar o Senhor em nosso trabalho e não de incorporarmo-nos no trabalho de Deus, que é o específico do apostolado: Deus é o “piloto”, e eu sou o “co-piloto” ajudante. Trata-se, inconscientemente, de substituir o messianismo de Cristo, o único evangelizador, pelo nosso messianismo pessoal.
Esta atitude diante de Deus, se projeta numa atitude deficiente também para com os demais que colaboram conosco. Tornamo-nos incapazes de delegar responsabilidades ou tarefas: não confiamos verdadeiramente nas pessoas, com exceção de uns poucos, habitualmente réplica fiel de nós mesmos, acabando rodeados unicamente por eles. É uma tendência que costuma agravar-se no transcurso dos anos.
Existe sempre uma relação entre a atitude diante de Deus e a atitude frente aos outros e vice-versa. Assim, a desconfiança nos colaboradores do apostolado, reflete uma desconfiança em Deus, que é justamente o que vai implícito no demônio do messianismo. Pois, confiar realmente em Deus, supõe uma confiança prudencial nos outros. E, por sua vez, a confiança nos outros também implica Deus, pois foi ele quem os foi chamando e colocando-os como companheiros nossos de trabalho.
O messianismo tem também conseqüências negativas nos resultados externos do apostolado, ao menos a longo prazo, além de comprometer o fruto profundo da evangelização. Em primeiro lugar, a atitude messiânica não deixa os outros crescerem, uma vez que a expansão e maturação da obra apostólica não caminham paralelamente, como devia ser, com a maturidade e crescimento daqueles que a levam a cabo. Em segundo lugar, sucede, então, que as iniciativas e criações do apostolado messiânico, não contribuem necessariamente para formar pessoas, nem para preparar sucessores. Normalmente, o apóstolo messiânico se identifica a tal ponto com sua obra que, quando ele desaparece ou se translada, ela se acaba: era demasiadamente pessoal e não havia substitutos preparados.
O verdadeiro apostolado que constrói o Reino de Deus a partir da Igreja ali onde ela ainda não está, contribui sempre para fazer desabrochar a própria Igreja: seus evangelizadores e comunidades. Também se aprende a ser cristão aprendendo a evangelizar, e isso não é possível sem realmente assumir responsabilidades. Um apóstolo maduro revela, entre outras coisas, que alguém confiou nele.
2. O Ativismo
O demônio do ativismo não significa ser muito ativo ou muito trabalhador, ou ter muitas ocupações e apostolados diversos. Ser ativo, apostólico, não é ser “ativista” como tentação.
O ativismo se produz na medida em que aumenta a distância e a incoerência entre o que um apóstolo faz e diz, entre o que ele é e o que ele vive como cristão. É verdade que na condição humana aceitamos como normal a inadequação entre o “ser” e o “agir” mas, no caso do ativismo, ela é acentuada e tende a crescer, não a diminuir, como seria o ideal do processo cristão.
O ativismo tem muitas expressões. Uma delas é a falta de renovação na vida pessoal do apóstolo. Neste caso, normalmente a oração é insuficiente e deficiente. Não há momentos prolongados de silêncio e retiro. Não se cultiva o estudo, apenas se lê. Nem sequer se deixa tempo para descansar o suficiente e repor-se. Paralelamente, há sobrecarga de trabalho, de atividades múltiplas, e a agenda de compromissos costuma estar cheia. O ativista dá a impressão de que é necessário, como estilo de vida, um grande volume de trabalho externo. Daí a criação de um círculo vicioso, cuja origem – excessiva atividade ou negligência em renovar-se – não é fácil identificar: por um lado está o aumento de atividades que faz cada vez mais difícil tomar as medidas de renovação interior, e que são as que conduzem ao crescimento no “ser”; por outro lado a incapacidade (que tende a crescer) de renovar-se tende a compensar-se e disfarçar-se com a entrega a um ativismo desenfreado. Em última análise, o ativismo é a desculpa do “escapismo”.
O ativismo também se exprime numa das distorções mais radicais do apostolado: colocar toda a alma nos meios de ação e de apostolado, no que se organiza e se faz, esquecendo-se de Deus, quem é, afinal de contas, por quem se faz, se organiza e se trabalha. Com isso, o apóstolo se transforma num profissional que multiplica iniciativas, habitualmente boas, não parando para discernir, para perguntar a Deus se são necessárias ou oportunas ou se é preciso fazê-las agora e desta maneira. Assim, os meios do apostolado acabam obscurecendo seu sentido e seu fim.
Outra expressão do demônio do ativismo é não trabalhar ao ritmo de Deus, substituindo-o pelo próprio ritmo. Isso ocorre quando se vai mais rápido ou mais lento do que Deus. Normalmente, o ativista, pelo menos num primeiro momento, costuma pecar por aceleração. É o resultado da desproporção, sempre existente, entre a visão e os projetos do apóstolo e a realidade das pessoas envolvidas. O normal é que um agente de pastoral tenha mais visão que sua comunidade e que seu povo, e saiba antes e melhor que eles onde e como chegar. Além disso, as pessoas não respondem ao ritmo que a gente quer, pois o ritmo do crescimento corresponde ao ritmo de Deus e não das previsões da gente. O ritmo de Deus é constante, mas de um processo lento. Os seres humanos, como as plantas e o resto da criação, não mudam e nem crescem à força, artificialmente, queimando etapas. É preciso esperar e ter paciência sem, com isso, deixar de educar, cultivar e exigir: é preciso ser como Deus, adequando-nos ao seu ritmo e forma de agir e transmitir a vida.
Pedagogicamente, esta forma de ativismo pode ser desastrosa. Ao acelerar o ritmo das pessoas e dos processos, não somente se dificulta o crescimento destas pessoas, como se pode também destruir e “queimar” muitas delas; outras se afastarão e será muito difícil recuperá­-las. Em todo caso, dado o aparente fracasso de seu projeto, o ativista, uma vez tendo experimentado o demônio da impaciência apostólica, facilmente cai na tentação do desânimo. “Aqui, com essa gente, não se pode fazer nada”. Pois, a impaciência e o desânimo são gêmeos. Ambos são filhos do orgulho, da auto-suficiência, do esquecer que “tanto o que planta como o que rega não são nada, e sim Deus que faz crescer” (1 Cor 3,7).
3. Fazer da confiança em Deus uma farsa
A principal característica deste demônio do apostolado é, obviamente, esquecer que a desconfiança na gente mesmo, acompanhada por uma total confiança em Deus, é a essência da espiritualidade do apóstolo. A tentação é pôr a confiança em Deus num segundo plano, como um recurso em caso de necessidade e de emergência, esquecendo de fazê-lo presente nos apostolados ordinários e cotidianos. Ao não colocar a confiança em Deus, com toda a convicção da alma, se está pondo a confiança na gente mesmo, ainda que se diga o contrário. Quando se trata dos resultados profundos e teológicos da evangelização (o Reino da graça) e não de resultados psicológicos ou de pura influência humana, é preciso confiança absoluta no Senhor e desconfiança absoluta na gente mesmo. No apostolado, as duas confianças não podem fazer-se presentes simultaneamente: ou se confia realmente em Deus e se desconfia da gente, ou se confia na gente e se desconfia de Deus.
Desconfiança ou confiança na gente é aqui uma qualidade teológica e não psicológica. Isto é, não se trata de ser inseguro, com complexo de inferioridade, não reconhecer dons e condições humanas e de vida cristã que Deus nos deu, certamente em abundância. A confiança humana e psicológica é necessária ao apóstolo. A desconfiança de que estamos falando está num outro nível, no âmbito dos frutos do Espírito. E paradoxalmente, uma autêntica confiança no Deus do apostolado comunica ao apóstolo a confiança psicológica que lhe pode faltar diante da evidência de suas limitações humanas.
O evangelizador que colocou sua confiança nele mesmo e não no Senhor, como atitude habitual e profunda (tão profunda que muitas vezes nem percebe mais que Deus está presente, tornando-se cego em sua auto-suficiência), reforça esta tentação com certos tipos de êxito proporcionados pelas suas qualidades humanas e sua influência. Ora, as atividades apostólicas seguem as leis da eficácia humana, que é sempre exitosa num primeiro momento, mas que nem sempre está ligada à graça e à obra permanente de Deus. Todos conhecemos evangelizadores inteligentes, preparados e com muitas qualidades, que exerciam grande atração e influência. Talvez por esta razão, colocavam sua confiança apostólica em si mesmos, mais do que em Deus. Evangelizadores estes, que durante alguns anos brilharam no apostolado. Eram convidados para pregar retiros e dar conferências, suscitaram vocações sacerdotais e tiveram muitos seguidores. Num determinado momento, surgiram algumas contradições e fracassos e, quase da noite para o dia, se apagaram. E mais, muitos de seus jovens seguidores, com o tempo, se distanciaram da Igreja. Os grupos e comunidades que tinham formado não perseveraram e as vocações que haviam suscitado foram se retirando do seminário… O que aconteceu? Deus deu-lhes a entender “Eu não estou contigo”. Deus deixou este apóstolo sozinho, revertendo sua promessa de “estarei convosco até o final dos tempos” (Mt 28,20). Apenas concedeu-lhe os resultados de sua auto-suficiência.
O colocar a confiança primeiramente em Deus e não na gente mesmo, tem uma caricatura: recorrer à confiança de Deus nas ocasiões em que a gente não fez o que devia fazer na atividade apostólica, ou em momentos que a gente se comportou de maneira irresponsável ou não se preparou como devia. Estas confianças oportunistas são uma manipulação da verdadeira confiança em Deus. Ora, a confiança, para que seja autêntica, supõe que o apóstolo tenha se preparado e trabalhado como se tudo dependesse dele e que, uma vez feito tudo o que estava ao seu alcance, às vezes até ao heroísmo, não põe sua confiança em seu trabalho e em sua preparação, mas no poder de Deus.
4. Não confiar na força da verdade
Este demônio é uma variante da pouca confiança em Deus, ainda que seja uma tentação com características próprias.
A verdade cristã, exposta por Cristo e transmitida pelo magistério da Igreja, apresenta desafios doutrinais e morais que hoje vão na contracorrente das ideologias e dos critérios éticos das culturas dominantes e secularizadas. Verdades como a vida depois da morte, a confiança na providência amorosa de Deus, o valor positivo do sofrimento, da cruz ou da austeridade, a necessidade, às vezes, de crer ou de aceitar sem entender, assim como o valor da castidade ou da virgindade, da preservação do matrimônio ou da defesa da vida, ainda que em casos extremos, não são hoje afirmações “populares”. Inclusive para os que crêem nelas, não deixam de ser uma pedra de tropeço quando lhes afetam pessoalmente.
Ora, diante disso, todo apóstolo está exposto à tentação de vacilar, de não oferecer a verdade de Cristo tal como ela é (ainda com as necessárias considerações pedagógicas de tempo, oportunidade, etc.), supondo que ela não vai ser seguida ou aceita, ou que é inconveniente fazê-lo. É desta maneira que nas diversas formas do apostolado da palavra se passa por cima de certas verdades ou se cai na ambigüidade, confiando mais na prudência humana, que não se confunde com a conveniente pedagogia, do que na força e no poder de persuasão da própria verdade. Cai-se igualmente nesta tentação na formação de pessoas, na hora de oferecer um conselho, uma orientação, uma esperança… Em lugar das exigências e da luz do Evangelho, se oferece às pessoas mera experiência humana, conselhos “razoáveis”, privando-as da oportunidade de conhecerem progressivamente a verdade que nos faz livres.
Confiar na força do apostolado supõe para o apóstolo ter a convicção de que a verdade da fé e da moral coincide com a humanização do ser humano e seus grandes ideais. É preciso crer que na verdade está o autêntico bem das pessoas e, portanto, sua única felicidade verdadeira.
5. Pregar problemas e não certezas
Este demônio leva a confundir os distintos níveis e momentos do apostolado da palavra. Há momentos e públicos em que o que se espera é uma conversa ou uma palestra sobre alguma questão em discussão, conjecturas, opiniões e problemas de Igreja. Mas, em se tratando da catequese, da homilia, da pregação missionária, é necessário sempre transmitir a mensagem cristã, que é a mensagem de Cristo, em toda a sua integridade. Neste âmbito, as pessoas esperam receber as certezas da fé para renovar a própria vida. Elas não esperam e nem querem que seus qüestionamentos e perguntas lhes sejam devolvidos sem resposta. Muito menos querem que se repitam relatos de conflitos e de problemas, sem estarem iluminados com as certezas da fé. A essência da evangelização é anunciar uma mensagem e não problemas. Estes podem ser anunciados, mas só como ponto de partida. Trata-se de anunciar certezas e não conjecturas ou opiniões pessoais.
As causas desta tentação podem ser várias: uma poderia ser a falta de critério, de experiência ou de discernimento por parte do apóstolo; outra, a tendência em projetar seu estado interior. Ora, quando se vacila em relação a convicções, quando a vida cristã é mais um conjunto de problemas e de perguntas do que de certezas, a tendência é transmitir isso aos outros. O ditado antigo que diz: “a boca fala do que o coração esta cheio”, se aplica ao apostolado ao pé da letra.
A comunidade cristã se edifica basicamente sobre a fé, a esperança e a caridade de seus membros. Ela não se edifica sobre as dúvidas, as confusões e as problematizações compartilhadas.
6. Reduzir a esperança
Este demônio seculariza o anúncio da esperança cristã. Ora, esta se funda nas promessas de Cristo: a ressurreição depois da morte, a vida eterna, a certeza de seu amor e de sua graça nesta vida que tornam possível o ser humano ser santo em qualquer circunstância, viver com dignidade e ser capaz de superar o mal moral e a tentação em todas as suas formas. Esta é a esperança que essencialmente alimenta o apostolado.
Neste caso, a tentação consiste em transmitir uma mensagem de esperanças humanas em detrimento da esperança cristã fundamental. O apóstolo prega e promove a confiança em relação a um futuro social e político melhor, a superação de uma enfermidade, de um problema humano ou da pobreza, ou promete ainda o êxito das libertações que a humanidade busca nos dias de hoje… Entretanto, ainda que estas esperanças humanas sejam legítimas e se deva lutar por elas, não estão garantidas por Cristo para esta terra. Não sabemos com certeza se elas se realizarão. Anunciá-las como esperança cristã seria enganar as pessoas e reduzir o Evangelho a uma mensagem de libertações humanas legítimas ou de otimismo no porvir, o que não é alheio ao apostolado, mas que não tem a certeza da esperança cristã.
Reduzir a esperança é esvaziar o anúncio da vocação do ser humano à vida eterna, à santidade, à fé e á caridade como o motor e o valor supremo das libertações humanas. É converter o apostolado em inspiração de expectativas humanas e de empenho para um mundo melhor, coisas boas e que desafiam o cristianismo, mas que não deveriam reduzir sua essência, que é a proclamação de Cristo como a verdadeira esperança do ser humano.
7. Perder o sentido das pessoas
Este demônio converte o apóstolo num executivo da pastoral. Alguns cargos e trabalhos se prestam mais a isso, mas em todo caso, o resultado, progressiva e às vezes imperceptivelmente, se dá de maneira semelhante. Isso ocorre quando o apóstolo se vai deixando absorver de tal modo pelo administrativo, o organizativo, o planejamento e a supervisão, que já não tem tempo, e sobretudo espaço psicológico, para dedicar-se às pessoas pelas quais trabalha, para dedicar-lhes o tempo necessário e para estar próximo delas.
O demônio da despersonalização do apostolado faz com que o apóstolo esteja tão dedicado aos meios de ação e de serviço, que esqueçe das pessoas a quem serve e em função das quais estão organizações e programas que tanto o absorvem.
Esta tentação pode tomar outras formas. Por exemplo, o apóstolo que se converte em executivo pastoral, poderá ter a tendência a dar um valor excessivo aos planos, aos programas e às linhas de ação, esquecendo-se da realidade das pessoas que devem levar a cabo tudo isso. Acaba impondo esquemas às pessoas em lugar de adaptar os esquemas e programas à realidade delas. E assim, realidade o apóstolo executivo vão se tornando cada vez mais distante.
O ponto de partida de todo apostolado são as pessoas, com suas possibilidades e seus limites, e não os esquemas, por melhores e mais ideais que sejam.
8. Fazer acepção de pessoas
Deste demônio praticamente ninguém escapa. Não é fácil tomar consciência desta tentação. Ele ataca até o apóstolo mais espiritual, não porque não saiba disso, mas por cegueira. Por isso a expulsão deste demônio implica um longo caminho de iluminação das motivações apostólicas, que como toda iluminação de motivos normalmente se faz durante a vida toda.
Habitualmente nesta tentação do apostolado (salvo que tenha caído em níveis muito baixos), as acepções e discriminações de pessoas não são motivadas por preconceitos graves: racismo, classicismo, nacionalismo, tratamento diferenciado de ricos e pobres, etc. Estes graus de discriminação normalmente não estão presentes na pastoral da Igreja, a não ser em casos extremos. O demônio da acepção de pessoas costuma apresentar-se de maneira mais sutil.
Trata-se aqui de dar mais tempo, interessar-se mais e estar mais disponível às pessoas em geral e para os membros da comunidade cristã que têm mais qualidades humanas, que são mais inteligentes, mais interessantes ou agradáveis, mais simpáticos e atraentes… Conseqüentemente, se deixa de modo sutil num segundo plano, os que são menos dotados, mais opacos e menos atraentes, menos inteligentes e gratificantes… Esta é a forma mais comum de acepção de pessoas no apostolado, tanto mais sutil, profunda e persistente, quanto mais inconsciente ela for.
Além disso, no apostolado, no caso da predileção pelos pobres, ela não pode restringir-se ao nível sociológico, que é sempre essencial, é verdade. Ela precisa chegar igualmente a todos os “pobres” em qualidades humanas externas, psicologicamente discriminados em atenção e acolhida. Ora, o apostolado não pode guiar-se unicamente pelo critério da eficácia, que aconselha investir preferencialmente nos mais dotados e nos líderes potenciais. Deve, igualmente, testemunhar o primado da caridade fraterna, que se revela preferencialmente com os desprezados e esquecidos.
9. 0 sectarismo
O demônio do sectarismo leva o apóstolo a isolar-se em seu campo de trabalho, em suas idéias, em seu grupo… Pouco a pouco, ele vai perdendo seu sentido de pertença e de integração numa Igreja mais ampla, mais rica, numa Igreja universal, na qual todo cristão é solidário em seus êxitos e cruzes, em seus problemas e conquistas, seja em seu país ou no mundo todo. O apóstolo sectário se fecha em sua visão das coisas, nos limites de sua experiência e, través disso, vê e julga a Igreja. Com isso, sua visão deixou de ser verdadeiramente católica.
O sectarismo tem sintomas pessoais e grupais. No nível pessoal, um dos mais típicos, é o isolar-se. O apóstolo trabalha sozinho, sem integrar-se numa missão de conjunto. Não participa das reuniões programadas para esta finalidade, nem de encontros de atualização e de capacitação. Não lhe interessa incorporar-se a critérios e planos comuns, a instâncias de avaliação ou revisão, nem procura relacionar-se com outros evangelizadores.
Conseqüentemente, o sectário isola seu trabalho do resto. Faz “sua coisa” e tem “sua gente”, sua própria experiência e sua visão do apostolado. Tudo o que é diferente de sua visão e experiência é questionável: só vê “poréns” e defeitos. A própria autoridade pastoral da Igreja é ignorada ou criticada quando não concorda com sua visão e idéias próprias .
Outro sintoma desta tentação é reduzir o apostolado a um só tema ou pouco mais, a uma determinada linha de pastoral, como grupos de oração, direitos humanos, liturgia, jovens… O resto não interessa.
Isto não quer dizer que não deva haver evangelizadores especializados. É que o bom especialista precisa ter uma visão mais ampla e de conjunto.
O resultado é que o apóstolo se torna sectário também em relação às pessoas ás quais se dirige. Se ele for monotemático, sua freguesia habitual também o será: falará sempre ao mesmo público, que partilha sua visão e seus interesses limitados. Ora, isso leva ao perigo de suscitar comunidades tão sectárias quanto ele.
O demônio do sectarismo pode ser, portanto, também grupal. Não se trata, porém, do que é normal no apostolado e na Igreja, isto é, o fato de pessoas mais afins em espiritualidade, em pastoral ou simplesmente por pertencerem a uma mesma geração, formarem grupos de trabalho, de vida cristã ou de amizade. Isto não é sectarismo, ainda que todo grupo afim precise saber que poderia estar exposto a esta tentação. O sectarismo grupal consiste em fechar-se nas idéias do grupo ou do movimento teológico, pastoral, espiritual… Os participantes do grupo acabam pensando que têm a melhor versão da verdade ou toda a verdade, que sua orientação é privilegiada, que não têm muito que receber de outros grupos ou movimentos de Igreja.
Este tipo de sectarismo nos faz marcadamente proselitistas, ignorando o legítimo pluralismo. Não há integração com outros movimentos em tarefas comuns: se costuma ter a própria agenda. Esta tentação pode conduzir, sutilmente, a fazer da própria espiritualidade, da própria pastoral ou de sua teologia, em principio legítimas, uma ideologia, um integrismo conservador, progressista ou de qualquer outra cor.
10. Fechar-se em sua própria experiência
Este demônio não é sectário, nem tem muita gravidade. E uma tentação mais benigna e sutil Basicamente, consiste em elevar as experiências apostólicas pessoais à categoria de princípio universal. Se tal ou tal experiência foi boa, todos os que trabalham neste tipo de apostolado deveriam fazê-la. Se a experiência foi má, ninguém deveria fazê-la. E caso se esteja numa posição de autoridade, se procurará simplesmente suprimi-la.
A tentação está em esquecer que toda experiência é relativa: tem circunstâncias próprias, agentes e evangelizadores próprios, tempo e lugar próprios e irrepetíveis. Assim, o que não deu resultado positivo num certo momento, com determinadas pessoas e num certo conjunto de circunstâncias, não significa que não possa dar resultados com protagonistas e circunstâncias diferentes.
Com o passar dos anos, evidentemente, esta tentação se agrava, dado que o apóstolo já acumulou um número significativo de experiências falidas e frustrantes. A tendência, então, é instalar-se e promover só o que deu resultado a ele próprio, desconfiando de outras experiências e iniciativas.
A verdadeira sabedoria, em contra-partida, consiste em não deixar-se condicionar pelos fracassos, nem pelo acervo positivo das experiências passadas, mas em estar disposto a tentar outras formas de apostolado e a abrir-se à experiências de outros.
11. Esperar do apostolado uma carreira gratificante
Este demônio do apostolado é muito ativo. O apostolado da Igreja é bastante organizado e hierarquizado, como é normal que aconteça em toda instituição humana que tem uma missão a cumprir. Assim, na Igreja, há cargos e tarefas de maior autoridade ou de maior poder ou prestígio que outras. Também existem títulos e honras externas: a Igreja mantém isso com sábio realismo e consideração com a condição humana. A tentação está em ir identificando o apostolado com uma carreira eclesiástica e sua importância e eficácia profunda com o cargo que se ocupa.
O demônio das gratificações terrenas pode tentar de muitas maneiras. A maneira mais rude é quando se une ao apostolado a ganância pelo dinheiro, fazendo dele, não tanto no nível das convicções como na prática, uma profissão lucrativa, seguramente mais generosa e idealista que outras. Algo muito deferente é ganhar a vida com o trabalho apostólico, sem ânsias de lucro, sobretudo quando se está dedicado a ele em tempo integral. Quando esta tentação se agrava, se chega a fazer do apostolado a aparência de um negócio que, embora não seja “negócio” estritamente falando, é suficiente para tirar-lhe a credibilidade. Esta tendência pode levar o apóstolo a interessar-se exclusivamente pelas tarefas apostólicas remuneradas, perdendo, com isso, o sentido da gratuidade no serviço e na evangelização.
Uma outra tentação mais sutil deste demônio, é esperar reconhecimento e até elogios das pessoas e da hierarquia da Igreja. Quem cai nesta tentação, passa a necessitar deste tipo de gratificação para manter seu entusiasmo e seu élan. Pareceria que no apostolado não se devesse buscar agradar a Deus, mas recompensas humanas. Quando não há elogios e reconhecimentos explícitos, se interpreta isso como uma ingratidão e uma falta de valorização, provocando uma baixa na própria motivação e entrega. De modo semelhante, quando há críticas por parte das pessoas com quem trabalha ou da hierarquia da Igreja, o apóstolo se sente rechaçado e perseguido. Mais uma gota d’água, e o apóstolo deixará o seu trabalho.
Entretanto, talvez o demônio mais sutil se dá na aspiração de postos e cargos; na necessidade de que toda mudança de apostolado signifique igualmente uma promoção. Há uma expectativa latente por “ascender”. O apóstolo marcado por esta tentação, se não ascende em tempo, fica ressentido e, às vezes, se “desestrutura”. Trata-se de um demônio sutil, que costuma fantasiar-se de “anjo da luz” (2 Cor 11,14): dissimula a ambição de promoções e postos com a desculpa do apostolado mais eficaz, de serviço à Igreja, etc… Na prática, se faz da “carreira” um fator de apostolado, e da ascensão um referencial constante, em geral não totalmente consciente. O resultado desta tentação é a imperfeição das motivações: lhe interessa não só servir à Igreja gratuitamente e seguir a Cristo pobre, mas ficar bem com todos e “ganhar pontos”. Esta tentação produz também uma falta de liberdade no apostolado e uma preocupação pela própria imagem. Evita-se toda discordância ou oposição legitima com a autoridade, que em certos momentos pode ser um dever no apostolado, não tanto por lealdade, mas pelo interesse de mostrar-se agradável e dialogante.
12. Perder o gosto pelo apostolado
Este demônio transforma a evangelização em rotina e num dever, quando deveria ser a principal fonte de alegria para a apóstolo. A alegria e a plenitude interior de colaborar com a vinda do Reino de Deus e de trabalhar na vinha do Senhor devem ser para o apóstolo uma experiência constante.
Esta tentação está ilustrada precisamente na parábola dos operários contratados para a vinha, em que alguns chegam cedo e outros mais tarde (Mt 20,lss). Os que haviam trabalhado o dia inteiro, se queixam de que seu salário é igual ao daqueles que haviam trabalhado só uma hora. Ora, o que eles não tinham compreendido, é que o salário não era importante, nem era a verdadeira gratificação pelo seu trabalho. Seu prêmio e gratificação era o próprio fato de terem dedicado o dia inteiro à vinha do Senhor, com a satisfação e a alegria que isso lhes poderia ter ocasionado.
O apóstolo que sucumbe a esta tentação, fará de seu apostolado um trabalho a mais, como outros, limitado pelo peso do dever e da rotina. Como os operários que trabalharam o dia todo, trabalhará bem e com dedicação, mas perderá de vista o sentido último do que ele faz: um trabalho para a eternidade, pelo qual Deus age nele, para libertar a condição humana e semear vida de fé, de esperança e de amor a Deus e aos outros, que é o Reino de Deus que se antecipa.
É no apostolado que o apóstolo encontra sua alegria e o sentido de sua vida. É parte de sua alegria comprovar o bem que Deus faz através dele, e dar graças a Deus, sem vanglória, porque Cristo o elegeu como seu instrumento livre e responsável, para “dar fruto que permaneça” (Jo 15,16). O que não dispensa o apóstolo de, sem perder a paz e sua entrega alegre, também pedir perdão com humildade, pois devido às suas falhas pessoais e falta de santidade, Deus não pôde fazer através dele todo o bem que ele queria. Pedir perdão porque, por ele não ter sido melhor, muitos não se tornaram melhores, nem se converteram e nem recuperaram a esperança.
O gosto e a gratuidade por trabalhar na vinha do Senhor não deve fazer-nos complacentes. Há muito o que mudar e do que nos arrepender no apostolado. Por nossa falta de santidade, seus frutos, reais pela graça de Deus, são, às vezes, medíocres.
13. A instalação
O demônio da instalação, às vezes com boas desculpas, corrói no apóstolo o espírito de superação em todos os aspectos. É uma tentação que costuma chegar, ainda que nem sempre, com o passar dos anos e a chegada da maturidade. Ela se expressa no fato do apóstolo ter encontrado seu cantinho, seu ritmo e seu modo de trabalhar, e de se ter arraigado em seus critérios e idéias. Ele é consciente de que o apostolado da Igreja avançou, que ele apresenta novos desafios e exigências, mas não tem disposição para mudar e renovar-se. Aos mais jovens que trabalham junto dele, os deixa fazer, mas não se deixa questionar. Pode até participar de reuniões e cursos de renovação, mas estes não têm influência sobre ele. Tudo o que ele espera é o que o deixem em paz, instalado em sua pastoral que, além do mais, costuma realizar de forma irrepreensível. Apesar disso, é possível até que ocupe altos cargos na Igreja.
Esta tentação, que vai tomando conta lentamente e se faz inevitável quando o apóstolo perde a espiritualidade do trabalho, costuma ir combinada com a instalação em seus próprios defeitos. Provavelmente nem se trate de algo realmente grave, mas o dinamismo espiritual está estancado. Sob uma aparência exterior honesta, há uma mediocridade interior. Desanimado, já não tem suficiente esperança e nem confiança em Deus para melhorar e, tacitamente, já fez um pacto com seus defeitos e mediocridade que ele pensa, falsamente, que não pode ou não vale a pena superar. “Eu sou assim mesmo…”.
Este demônio induz a pensar, sobretudo depois de certa idade, que se tem o direito de buscar compensações e de aburguesar-se. E, então, o apóstolo termina contentando-se com as exigências mínimas.
14.Carecer de fortaleza ou vigor
Este demônio debilita o apóstolo em algo que é fundamental para exercer um apostolado de envergadura, abnegado e constante, apesar de toda sorte de contradições: a fortaleza.
Este debilitamento e carência adquire formas contrárias às que caracterizam a fortaleza apostólica. Afeta, em primeiro lugar, o vigor físico, que não pode ser o mais relativo no apostolado. Não se pode, por exemplo, menosprezar a saúde das pessoas. Afeta, também, os hábitos alimentares: a gente pode tornar-se exigente em qualidade e quantidade; no horário; apega-se a certos hábitos; chegando à incapacidade de dar um sentido evangélico ao comer pouco ou nada, caso o serviço pastoral o requeira. O mesmo ocorre com o sono e o descanso, que muitas vezes o serviço pede sacrificar. Converte-se numa dificuldade habitual viajar em meios populares, a pé, em transporte coletivo. Se busca sistematicamente o meio mais rápido e cômodo, com a desculpa da eficácia apostólica, sem discernimento, uma vez que, em muitos casos, a escusa pode ser válida. Também o cuidado excessivo da saúde e a adoção de todas as formas de prevenção às quais recorrem os mais privilegiados, pode tornar mais aguda esta fase de austeridade e fortaleza. Poderia-se agregar outros exemplos.
A tentação afeta igualmente a fortaleza psicológica, tanto mais necessária que a física para o verdadeiro apostolado. Neste campo, é preciso educar-se num alto grau de resistência psicológica, o que não exclui ser emocionalmente vulnerável como todo ser humano normal. A fortaleza consiste em assimilar os golpes psicológicos, sem desanimar e, muito menos, desestruturar-se. Esta deve ser a atitude diante das críticas injustas ou parciais, diante das calúnias, das acusações… E, logicamente, diante das perseguições e das diversas formas de sofrimento, que podem chegar ao martírio, por causa do Reino. A aspiração de muitos apóstolos à última bem-aventurança – “bem-aventurados os perseguidos por minha causa e a justiça do Reino” -, não se improvisa, e é vã se não for preparada e se não estiver acompanhada pela aceitação das provações e crises psicológicas, com fortaleza evangélica.
A tentação pode ser mais grave se a provação da fortaleza provém do interior da Igreja. Um dos piores sofrimentos do apóstolo é o da “contradição dos bons”, de sua comunidade, de seus irmãos e companheiros de trabalho, de autoridades da Igreja. Em certos momentos do apostolado, em muitas ocasiões em que se trata de experimentar ou inovar dentro daquilo que é legítimo, o apóstolo precisa aceitar, com coração sadio e atitude evangélica, ser minoria ou simplesmente estar sozinho. Por isso, necessitará fortaleza diante das tensões e conflitos existentes no interior da Igreja, diante das incompreensões, das suspeitas, da falta de confiança e de colaboração.
A fortaleza apostólica purifica, amadurece e prepara para o futuro. O demônio da inércia e da fragilidade mantém o apóstolo na adolescência, numa certa mediocridade rotineira, dificultando-lhe exercer o melhor serviço da Igreja, agora e no futuro.
15. A inveja pastoral
O demônio da inveja não é alheio ao apostolado. Trata-se de um demônio universal. Obviamente, sua ação entre os apóstolos não tem os resultados devastadores que tem na política, na arte ou em outras atividades do “mundo”: as invejas no interior da Igreja são muito menos graves, mas se apresentam de uma forma sutil.
A tentação se expressa habitualmente em forma oblíqua. Manifesta-se com a tendência em encontrar e assinalar, à primeira vista, defeitos em todas as iniciativas pastorais e em atividades apostólicas que se destacam e se sobressaem do comum. Se despreza toda forma de apostolado que tem algo de diferente, com comentários, piadas, etc. Também no corpo apostólico da Igreja se sofre a tentação do corpo social: defender a mediocridade e derrubar tudo o que se sobressai e que, por isso, questiona. A tentação se manifesta também mediante o cinismo diante de trabalhos, iniciativas ou apóstolos que querem viver radicalmente seu chamado à evangelização. O cinismo é a expressão mais sutil da inveja; é seu melhor disssolvente.
Agora, em alguns casos, o demônio da inveja apostólica se revela em forma direta, em formas de rivalidade e de competição latente ou aparente. Esta tentação atua em todos os meios e níveis, normalmente dissimulada pelo “zelo pela verdade”, pelo “serviço do Reino” etc., palavras que escondem, às vezes, inveja pela reputação ou pelo êxito de um companheiro de apostolado.
Este demônio age também entre os teólogos, campo em que nem todo conflito ou disputa teológica está inspirada na busca da verdade; costuma haver questões pessoais misturadas. Age nos meios pastorais, em todos os níveis. Quantas vezes, apóstolos valiosos, projetos e experiências prometedoras são marginalizados, postergadas sem motivo, ou ignoradas, por questões de rivalidade!
O demônio da inveja pastoral leva a considerar projetos ou atividades de outros, como uma ameaça à própria influência apostólica. Quando se cai nesta tentação, o relacionamento apostólico fica inevitavelmente comprometido.
16. Perder o sentido do humor
Este demônio dramatiza e faz vítimas. Neste caso, o sentido do humor consiste em ver o lado bom das coisas, ainda que aparentemente de todo negativas; consiste em aprender a relativisar, a olhar “desde fora” as situações que nos afetam. O sentido do humor, por isso, ajuda a equilibrar as coisas, a não dramatizar e não ver tudo de maneira trágica. Ter sentido de humor é não fazer-se de importante, não levar a sério títulos, nem os problemas, nem os conflitos pastorais e eclesiais. É rir sadiamente da gente mesmo, das situações e de seus protagonistas.
O demônio que arranca ou adormece o sentido do humor, arrasta progressivamente o apóstolo à crítica sistemática, ao azedume, ao complexo de vítima que dramatiza tudo o que o afeta desfavoravelmente. O apóstolo que se dá muita importância, que acha seu trabalho o máximo, que busca cargos importantes ou que simplesmente se leva muito a sério, perde a simplicidade evangélica e, com ela, o sentido cristão do humor.
O apostolado requer o sentido do humor. A Igreja também precisa de humor e, obviamente, todos nós. O sentido do humor é uma qualidade tão humana quanto cristã. Trata­-se de uma qualidade presente nos santos, nos apóstolos e nos missionários mais atraentes. Teve importância no apostolado de ontem e tem no de agora.
De fato, em tempos de particular tensão e conflito na vida apostólica e da Igreja em geral, o sentido do humor se torna imprescindível. Por isso, contribuir com seu desaparecimento da vida eclesial e pastoral constitui uma tentação permanente, um demônio. Os cismas, heresias, dissidências, divisões, conflitos insolúveis e falta de diálogo e de comunhão são atitudes de pessoas que normalmente perderam o sentido do humor; que dão grande importância a si mesmos e às suas idéias. Sem sentido de humor, qualquer contradição, reprovação ou questionamento provindos da Igreja, é um drama, uma perseguição. Portanto, um apóstolo sem sentido de humor é um apóstolo vulnerável e débil.
Em última análise, o sentido do humor forma parte da fortaleza cristã e, certamente, a propicia.
Este texto é um extrato do livro do teólogo chileno Segundo GALILEA, Tentación y Discernimiento, Narcea, Madrid 1991, p. 29-67.