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domingo

Espiritualidade Canonical Agostiniana


Quando se fala de Santo Agostinho, principalmente entre os seguidores de sua Regra, perguntam-se entre si, como se define a espiritualidade canonical agostiniana, como a espiritualidade beneditina, franciscana, secular, caritativos e etc.
Se verdadeiramente conhece-se profundamente o pensamento agostiniano, suas obras e as consequências de seus ensinamentos na História da Vida Religiosa e Teológica na Igreja, compreender-se-á a Espiritualidade de Santo Agostinho. Pois, definimos o Carisma Canonical Agostiniano como um caminho comunitário que se faz pela busca de um conhecimento profundo de cada pessoa, trabalhando toda a sua interioridade na Escola do Evangelho, para que, consequentemente, obter um conhecimento pleno de Deus.
Então, o caminho espiritual canonical agostiniano consiste em: conhecer-se a si mesmo, para conhecer a Deus. Tendo o conhecimento de si, sirva a Ele com mais amor, intimidade, com segurança para com a suas Obras. Isto é muito positivo, porque não nos limitamos a uma ação particular nenhuma, mas somos disponíveis para trabalhar em toda e qualquer necessidade, que temos aptidão para fazer frutificar o amor de Deus.
Para viver o carisma canonical, basta primeiro ser uma pessoa amante pela Verdade que é Jesus Cristo, depois, desejar a sua apostolicidade.
Sempre, vendo o outro que está do meu lado, como um irmão que, juntos viveremos em um só coração, uma só alma, voltados para Deus. Nenhuma personalidade sã, agradável, integrada é proibida, mas trabalhada para melhor servir a comunidade de irmãos e a Igreja. Pois, é maravilhoso conviver com pessoas que se amam e amam os demais. Pode haver conflitos, mas nunca uma guerra, pois a amizade sempre reinará.
Santo Agostinho diz em suas Confissões (L. 1, 6) que “nossa alma é morada muito estreita para receber o Senhor, mas é alargada por Ele, quando se permite conhecimento pessoal de que somos limitados pelo pecado para essa plenitude 
Quando olhamos para S. Agostinho como um exemplo de fidelidade e de serviço a Deus, com os irmãos; entenderemos que o carisma canonical agostiniano é a vida de entrega a Deus e aos irmãos, como fez, tantos santos que veneramos nos altares de nossa Igreja.
O auge para entender plenamente o carisma, a espiritualidade agostiniana é reconhecer a comunidade em que se vive, como um dom de Deus. Santo Agostinho compreende esse compartilhamento de vida, como graça de Deus. E, a comunidade religiosa tem por obrigação de ajudar-se mutuamente para vencer os três inimigos clássicos do homem que são: Pecado, Mundo e Carne.
Que todos aqueles que abraçaram  o carisma agostiniano, aperfeiçoem-se sempre mais para a cada dia, parecer-se com Cristo, chegando a afirmar com S. Paulo: “Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim
                                                                Autor: José Wilson Fabrício da Silva

Homilias de qualidade para a nova evangelização

A preocupação do Magistério pelas homilias não é nova, mas agora se sublinha a necessidade de contar com homilias de qualidade
Em sintonia com a nova evangelização suscitada por Bento XVI, parece importante refletir sobre o papel das homilias na Missa dominical ou em outras festas e o modo de melhorá-las. Milhões de discípulos de Cristo escutam-nas em todo o mundo. Muitos fiéis se interrogam acerca da sua qualidade, especialmente enquanto ao seu conteúdo: às vezes ouvem temas distantes das leituras da Santa ou opiniões pessoais do celebrante; em outras ocasiões recebem quase uma simples repetição dos textos proclamados. Com freqüência alguns fiéis – fora da Missa – trocam suas impressões ou críticas de modos mais ou menos adequados sobre os defeitos que advertem.
Mas, às vezes, algumas falhas na pregação escutada nem sempre são fáceis de detectar. Por exemplo, alguém pode ouvir uma homilia muito bonita em uma tarde de Sexta-Feira Santa comentando as partes do rito e apresentando a morte de Cristo como um acompanhamento, a cada um de nós, nos sofrimentos da vida e especialmente na morte. No silêncio da meditação sucessiva à homilia, alguém se pergunta: bem, o Senhor me acompanha e consola não só com palavras, mas com obras, mas me salva, me redime e me outorga uma vida nova dirigida à Vida e à Ressurreição depois da minha morte? Ouvi algo sobre Jesus morto como vítima propiciatória pelos pecados de todos os homens? Os exemplos poderiam se multiplicar. Por isso, em sua recente Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini [i], Bento XVI menciona a “atenção particular que, no Sínodo, foi dispensada ao tema da homilia”[ii] e também recorda como na Exortação posterior ao Sínodo imediatamente anterior, dedicada ao sacramento da Eucaristia, havia indicado “a necessidade de melhorar a qualidade da homilia”[iii]. A preocupação do Magistério[iv] pelas homilias não é nova, porém agora se sublinha a necessidade de contar com homilias de qualidade.
A homilia, parte da celebração eucarística
Façamos uma releitura com calma do ensinamento do Romano Pontífice no n. 59 da Verbum Domini: “Já na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum caritatis, recordei como, ‘pensando na importância da palavra de Deus, surge a necessidade de melhorar a qualidade da homilia; de fato, <<esta constitui parte integrante da ação litúrgica>>, cuja função é favorecer uma compreensão e eficácia mais ampla da Palavra de Deus na vida dos fiéis’”.
A homilia não é uma ocasião para dirigir-se aos fiéis e comunicá-los algo distinto dos textos sagrados lidos. É “parte da ação litúrgica”, não um acréscimo opcional. Sua finalidade é “favorecer uma compreensão e eficácia mais ampla da Palavra de Deus na vida dos fiéis”.
A Santa Missa é ação de Deus em sua Trindade de Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. É ação de Cristo – o único Sacerdote -, por meio de instrumentos humanos, os sacerdotes. Eles emprestam seu próprio ser – palavras, gestos, inteligência, coração – para atuar in Persona Christi Capitis, em nome de Jesus Cristo Cabeça da Igreja, não em seu nome. Trata-se portanto de ajudar os fiéis – também o mesmo celebrante – a compreender, sob a ação do Espírito Santo, a Palavra de Deus e que esta seja cada vez mais eficaz em suas vidas.
Atualizar a Palavra de Deus dentro da celebração eucarística
“A homilia – segue dizendo o Santo Padre – constitui uma atualização da mensagem da Sagrada Escritura, de tal modo que os fiéis sejam levados a descobrir a presença e a eficácia da Palavra de Deus no momento atual da sua vida”[v].
A situação fundamental dos homens e mulheres de hoje com respeito a Deus segue sendo e será a mesma: somos obras sua, criados a sua imagem e semelhança, filhas e filhos muito queridos de Deus. No entanto as circunstâncias atuais da vida humana, especialmente em relação com os demais e com o mundo – o trabalho e tantos aspectos da cultura -, foram mudando. Por isso é necessária essa “atualização da mensagem da Sagrada Escritura”. A todos nós faz falta “descobrir a presença e a eficácia da Palavra de Deus no momento atual da sua vida”. Convém facilitar a escuta da Palavra de Deus, como realmente é: isto é, como Palavra eterna, sempre atual, sempre jovem, dirigida a cada um de nós: a mim, em primeira pessoa, e no peculiar momento de minha biografia hoje.
Quando estamos imersos em um tipo de trabalho com horários exigentes e vivemos rodeados de uma cultura midiática que não é fácil decifrar, a simples leitura da Palavra de Deus poderia incidir na própria existência e tornar-se como um piso superior sem escada de comunicação com a planta sob a casa de Deus que é cada Cristão.
A homilia não é uma aula ou uma conferência pronunciada em uma sala ou inclusive em um templo fora da Missa ou de outra ação litúrgica. Forma parte de uma ação divina, da celebração da Eucaristia, na qual se faz novamente presente o único Sacrifício de Jesus no Calvário. Por isso, a homilia tem um caráter peculiar, ao formar parte de um todo mais amplo. Escreve o Papa: “deve levar à compreensão do mistério que se celebra; convidar para a missão, preparando a assembléia para a profissão de fé, a oração universal e a liturgia eucarística”[vi]. Isto é, vamos renovar a nossa fé na Trindade, recitado o Credo, pedir pelas necessidade de todos e entrar na parte da liturgia eucarística com o oferecimento de tudo o que é nosso, para que o Senhor o una ao seu fazer presente novamente o Sacrifício da Cruz, seguido de sua Ressurreição e de sua Ascensão junto ao Pai.
A orientação da homilia é esta: prepararmo-nos e introduzirmos-nos nesta ação divina oferecendo-nos também a nós com Cristo. Esta nossa inserção adquire, portanto, acentos distintos segundo os textos propostos pela Igreja para cada celebração da Missa e segundo as circunstâncias dos participantes. A homilia haverá de facilitar deixarmos-nos tomar por Cristo e empaparmos-nos com seu Sangue em suas mãos chagadas para lançarmos como boa semente de trigo ao campo do nosso mundo, da família, do trabalho diário, da participação ativa da vida pública[vii].
Cristo, centro da homilia
O Romano Pontífice desenvolve algumas consequências do papel singular da homilia: “aqueles que, por ministério específico, estão incumbidos da pregação tenham verdadeiramente a peito esta tarefa. Devem-se evitar tanto homilias genéricas e abstratas que ocultam a simplicidade da Palavra de Deus, como inúteis divagações que ameaçam atrair a atenção mais para o pregador do que para o coração da mensagem evangélica. Deve resultar claramente aos fies que aquilo que o pregador tem a peito é mostrar Cristo, que deve estar no centro de cada homilia”. O sacerdote, enamorado de Cristo, prega com gosto, com alegria, porque Jesus atrai todas as almas e não deixa indiferente a nada.
Cristo é o centro de toda a homilia. O é como conteúdo, pois se trata de “mostrar a Cristo”. Para isso contamos uns relatos inspirados pelo Espírito Santo, narrações humana e divinas ao mesmo tempo: os quatro Evangelhos, acompanhados de outros escritos também da Palavra de Deus. Cristo é o conteúdo, é o Caminho, a Verdade e a Vida, a Luz que ilumina a todos os homens. Em sua maioria, pertencem ao gênero narrativo tão adequado às circunstâncias atuais e às de todos os tempos. As parábolas interpelam, movem a pensar. Em ocasiões deixam ao ouvinte a tarefa de tirar a conclusão.
Mas também a forma de mostrar o amável rosto de Jesus Cristo tem – então, agora e sempre – uma pauta dada por Deus mesmo e uma luz e um fogo do Espírito Santo na inteligência e no coração do pregador e dos demais fiéis participantes da Missa.
Segundo Bento XVI, “deve resultar claramente aos fies que aquilo que o pregador tem a peito é mostrar Cristo, que deve estar no centro de cada homilia”.[viii]. Como é natural, isso leva consigo a dar mais importância aos parágrafos do Evangelho lidos na Missa que aos outros textos.
Os fiéis percebem o amor do celebrante a Cristo no tom, nas expressões, na alegria, na sensibilidade, no entusiasmo. Daí deriva o tipo peculiar de preparação requerida para a homilia: um estudo meditativo, intimamente unido à oração pessoal. “Por isso, é preciso que os pregadores tenham familiaridade e contato assíduo com o texto sagrado; preparem-se para a homilia na meditação e na oração, a fim de pregarem com convicção e paixão”[ix]. Requer-se ter uma boa preparação teológica, mas nunca separada da meditação.
Como é lógico, os fiéis também olham o comportamento do pastor. Recordando a São Jerônimo[x], o Romano Pontífice recorda que a pregação será acompanhada do testemunho da própria vida: “No sacerdote de Cristo, devem estar de acordo a mente e a palavra”[xi].
Três perguntas para a preparação da homilia
Bento XVI faz suas as sugestões do Sínodo dos Bispos de 2008 de que se tenham presentes as seguintes perguntas ao preparar a homilia: O que dizem as leituras proclamadas? O que dizem a mim pessoalmente? O que devo dizer à comunidade, tendo em conta sua situação concreta?[xii]. Estas três perguntas são uma grande ajuda para melhorar as homilias.
1. O que dizem as leituras proclamadas?
Antes de tudo, é necessário conhecer o que dizem as leituras. Normalmente o celebrante necessita atualizar sua compreensão do texto e recorrer aos instrumentos oportunos. Para isso serve-se dos textos paralelos dos evangelhos, e das referências implícitas ou explícitas das passagens do Antigo Testamento. Como é lógico, esta leitura se faz à luz da Tradição e com a ajuda do Magistério precedente e atual, organicamente sintetizado no Catecismo da Igreja Católica. Todos os fiéis, sacerdotes e leigos, agradecemos a luz irradiada pelo livro de Bento XVI Jesus de Nazaré, por suas homilias, assim como pelas de seu predecessor João Paulo II e pelas do Ordinário da própria circunscrição eclesiástica.
Não poucas pessoas afirmam que Bento XVI passará para a história pela qualidade e estilo de suas homilias, que recordam o estilo dos padres da Igreja[xiii].
Mas ao que se refere ao Evangelho, é muito útil voltar a considerar algum comentário à passagem de cada Missa em uma das numerosas obras sobre a vida de Jesus: R. Guardini, F. M. William, K. Adam, G. Papini, D. Rops, etc. Citamos também, a modo de exemplo, a Justo Pérez de Urbel, o Emmanuel de Carles Cardo, ao Abade G. Ricciotti e outros mais recentes.
Como é óbvio, toda esta preparação é prévia. Por isso fora dito com certo humor: a homilia requer saber a exegese própria da teologia bíblica, mas não é o momento de dar uma lição de exegese.
2. O que dizem a mim pessoalmente?
É muito importante esta segunda pergunta sugerida pelo Sínodo ao celebrante de sua tarefa de atualizar os textos lidos mediante a homilia. Comenta o Papa, no já citado nº 59 da Verbum Domini: “O pregador deve deixar-se interpelar primeiro pela Palavra de Deus que anuncia”[xiv], porque como diz Santo Agostinho: “seguramente fica sem fruto aquele que prega exteriormente a Palavra de Deus sem a escutar no seu íntimo”[xv].
É conhecida a descrição dos três graus do crescimento intelectual e pedagógico do professor: o jovem só ensina mais do que sabe, pois com freqüência transmite ideias lidas pouco antes, mas não muito assimiladas; o professor mais maduro diz o que realmente sabe; o que chega a ser mestre não expressa todos os seus conhecimentos: ensina somente o que convém aos seus ouvintes. Com isso se põe de relevo o papel da “interiorização” dos conhecimentos e de sua inserção existencial dentro da própria vida.
3. O que devo dizer a comunidade, tendo em conta sua situação concreta?
Vivendo no trato habitual com Jesus e esforçando-se para ser outro Cristo, o pregador pensa em seus irmãos. Fala sobre eles com Jesus Cristo, de suas necessidades espirituais e materiais. Pede luzes em sua oração pessoal: Senhor, o que vou dizer-lhes no domingo? O que queres que diga?
Em um clima de decadência cultural, todos necessitamos ouvir o tom animador, afetuoso, positivo de Jesus, que enche de luz, de alegria, de esperança. O celebrante da Missa busca também transmitir outra verdade fundamental sublinhada na primeira carta de São João: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados”[xvi].
Neste clima de sentir-se amados por Deus, de saber-se filhos de Deus, é mais fácil desejar conhecer melhor a doutrina, as palavras de vida ensinadas por Jesus e transmitidas na Igreja. É mais acessível o desejo operativo de formar-se mais, manter-se firmes na fé em um clima com freqüência neopagão, reconhecer os próprios pecados sem desanimar-se e sem ocultá-los. Nas circunstâncias atuais, todos necessitamos de uma abundância de sã doutrina. Daqui que o santo padre recomende também os breves comentários nas missas feriais: “e mesmo durante a semana nas Missas cum populo, quando possível, não se deixe de oferecer breves reflexões, apropriadas à situação, para ajudar os fiéis a acolherem e tornarem fecunda a Palavra escutada”[xvii].
Em todos os casos é necessário prepará-las bem, com estudo e oração, sem improvisar. Assim é possível pensar com precisão, clareza, de modo atraente o que será dito e expô-lo em um tempo razoável. Em geral é importante evitar as homilias longas, que podem refletir pouca preparação, como daquele autor de um texto de três mil páginas que se desculpou com o editor: saiu muito longo pois tive pouco tempo.
A amizade com Jesus, da qual tudo depende.
Este ponto capital nunca pode ser dado como pressuposto. A meu modo de ver, aqui está em jogo a amizade com Jesus, mencionada muitas vezes por Bento XVI. No prólogo do primeiro volume de Jesus de Nazaré alude a imprecisão bastante estendida da consciência geral da cristandade de que saberíamos poucas coisas certas sobre Jesus. Só a fé em sua divindade teria plasmado posteriormente sua imagem. “Semelhante situação é dramática para a fé, pois deixa incerto seu autêntico ponto de referência: a íntima amizade com Jesus, da qual tudo depende”[xviii].
Esta expressão “a íntima amizade com Jesus, da qual tudo depende” é uma das chaves decisivas para entender seu pontificado que concede tanta importância ao trato pessoal com Jesus na Palavra, na Eucaristia, e em toda a liturgia.
Não se conhece a Jesus verdadeiramente, se não se acompanha-o diariamente junto aos Doze, os setenta e dois discípulos, as mulheres que ajudam ao Mestre e tantos outros. A nova evangelização nasce de um renovado trato de amizade com Jesus, que não é uma figura do passado. Podemos falar d’Ele com o entusiasmo e a alegria do apóstolo João em sua primeira carta: “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos  e o que nossas mãos apalparam, do Verbo da vida – porque a Vida manifestou-se: nós a vimos e dela vos damos testemunho e vos anunciamos esta Vida eterna, que estava voltada para o Pai que nos apareceu – o que vimos e ouvimos vo-lo anunciamos para que estejais também em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo. E isto vos escrevemos para que a nossa alegria seja completa”[xix]. Veja-se por exemplo como sente a contemporaneidade com Cristo São Cirilo de Jerusalém em suas catequeses (348-350):
“Qualquer ação de Cristo é motivo de glória para a Igreja universal; mas o máximo motivo de glória é a cruz. Assim o expressava com precisão Paulo, que tão bem sabia disto: O que é meu, Deus me livre de gloriar-me senão na Cruz de Cristo.
“Foi, certamente, digno de admiração o fato de que o cego de nascimento recobrara a vista em Siloé; mas, em que beneficiou isto a todos os cegos do mundo? Foi algo grande e sobrenatural a ressurreição de Lázaro, quatro dias depois de morto; mas este benefício afetou unicamente a ele, pois, em que beneficiou aos que em todo mundo estavam mortos pelo pecado? Foi coisa admirável o que cinco pães, como uma fonte inextinguível, bastaram para alimentar a cinco mil homens; mas, em que beneficiou aos que em todo o mundo se encontravam atormentados pela fome da ignorância? Foi maravilhoso o fato de que fora libertada aquela mulher a quem Satanás teria ligada pela enfermidade desde os dezoito anos; mas, de que serviu à nós, que estamos ligados com as cadeias de nossos pecados? Pelo contrário, o triunfo da cruz iluminou a todos os que padeciam da cegueira do pecado, livrou a todos nós das ataduras do pecado, redimiu a todos os homens”[xx].
Cristo não se encontra no passado: vive e atua agora no século XXI, como no século IV. Inclusive em certo modo de maneira mais universal agora que durante seus anos de vida terrena.
Os santos, raios de luz da Palavra de Deus
A Verbum Domini menciona com alegria o papel dos santos. “A interpretação da Sagrada Escritura ficaria incompleta se não se ouvisse também quem viveu verdadeiramente a Palavra de Deus, ou seja, os Santos. De fato, “viva lectio est vita bonorum”. Realmente a interpretação mais profunda da Escritura provém precisamente daqueles que se deixaram plasmar pela Palavra de Deus, através da sua escuta, leitura e meditação assídua”[xxi].
O papa não pensa somente nos santos de muitos séculos atrás mas naqueles de épocas mais recentes e inclusive nossos contemporâneos: “Cada Santo constitui uma espécie de raio de luz que brota da Palavra de Deus: assim o vemos também em Santo Inácio de Loyola na sua busca da verdade e no discernimento espiritual; em São João Bosco na sua paixão pela educação dos jovens; em São João Maria Vianney na sua consciência de grandeza do sacerdócio como dom e dever; em São Pio de Pietrelcina no seu ser instrumento da misericórdia divina; em São Josemaria Escrivá na sua pregação sobre a vocação universal à santidade; na Beata Teres de Calcutá missionária da caridade de Deus pelos últimos; e nos mártires do nazismo e comunismo representados, os primeiros, por Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), monja carmelita e os segundos pelo Beato Aloísio Stepinac, Cardeal Arcebispo de Zagrábia”[xxii].
Com a gratidão a Deus, recordo a pregação ouvida de São Josemaria, quem desde muito jovem se meteu na vida de Jesus “como um personagem a mais” e assim aconselhou como um caminho acessível a todos para alcançar a santidade. “Para nos aproximarmos do Senhor através das páginas do Santo Evangelho, recomendo sempre que nos esforcemos por meter-nos de tal modo na cena, que dela participemos como um personagem a mais. Sei de tantas almas normais e comuns que o fazem! Assim chegaremos a ensimesmar-nos, como Maria, que permanecia pendente das palavras de Jesus; ou nos atreveremos, como Marta, a manifestar-Lhe sinceramente as nossas inquietações, até as mais insignificantes[xxiii].
Dois instrumentos solicitados por Bento XVI
Disporemos dentro de algum tempo de um diretório homilético: “Pregar de modo adequado referindo-se ao Lecionário é verdadeiramente uma arte que deve ser cultivada. Por isso, dando continuidade à solicitação feita no Sínodo anterior, peço às autoridades competentes que, correlativamente ao Compêndio Eucarístico, se pense também em instrumentos e subsídios adequados para ajudar os ministros a desempenhar da melhor forma possível a sua tarefa, como, por exemplo um Diretório sobre a homilia, de modo que os pregadores possam encontrar nele uma ajuda útil a fim de se preparem no exercício do ministério[xxiv].
Ademais, no Motu próprio Ubicumque et semper de Bento XVI do dia 12 de outubro de 2010, constituindo o novo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, se indica como uma de suas tarefas: “promover o uso do Catecismo da Igreja Católica, como formulação essencial e completa do conteúdo da fé para os homens de nosso tempo” (art. 3, nº 5). Com efeito, nesta grande obra do pontificado de João Paulo II todos os fiéis encontram uma formulação completa da fé para hoje, na qual o Concílio Vaticano II se apresenta em toda sua beleza de inserção na corrente vital e doutrinal do Magistério ao longo dos séculos. Nele encontra o pregador uma ajuda para meditar os textos litúrgicos. Vale a pena recordar também a grande ajuda do Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, como um instrumento mais acessível para o seu estudo e sua fixação na memória. No ciclo trienal do lecionário para a Missa dominical e solenidades permite-se considerar todos os aspectos do mistério de Cristo. Mas desde antigamente tem sido um bom complemento o estudo detalhado da profissão de fé, em seu desenvolvimento homogêneo ao longo dos séculos. Por isso, o estudo individual ou em grupo do Catecismo da Igreja Católica contribui a conhecer melhor em sua beleza e harmonia todo o conjunto orgânico da Revelação divina. Essas lições se situam não à margem, mas em conexão com a homilia litúrgica. Sem dúvida um uso mais assíduo do Catecismo contribuirá para uma pregação de qualidade em vista da tarefa árdua e apaixonante da nova evangelização
Lluis Clavell

sábado

Ladainha de todos os Santos Cônegos Regulares




Senhor, tende piedade de nós.
Jesus Cristo, tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.

Jesus Cristo, ouvi-nos.
R/. Jesus Cristo, atendei-nos.

Deus, Pai dos Céus, tende piedade de nós.
Deus Filho, Redentor do mundo,
Deus Espírito Santo,
Santíssima Trindade, que sois um só Deus,

Santa Maria, rogai por nós.
Santa Mãe de Deus,
Mãe do Salvador,
Mãe da Divina Providência,
São José,

São Miguel,
Todos os santos Anjos e Arcanjos,
São Pedro e São Paulo,
Todos os santos Apóstolos e Profetas,
Santo Agostinho,
Santa Mônica,
Santos Alípio e Possídio,

São Gregório VII,
Todos os Santos Pontífices e Confessores,
Todos os Santos Doutores,

São Gilberto,
São Guarino cardeal,
São Teotônio,
São Guilherme Abade,
São Guilherme Tempério,
São Galquêrio,
São Aldobrando bispo,
São Noberto,
Santo Wiliam abade,
São Bernardo de Monte Júpiter,
São João de Oisterwijk,
São Torlaco bispo,
São Eusébio de Vercelli,
Santo Ubaldo bispo,
São Ivo bispo,
São Pedro de Pébrac,
Santo Alberto de Jerusalém,
São Pedro de Arbués mártir,
São Ketilo,
São Crodegango,
São João de Bridlington,
São Folco bispo,
São Geraldo bispo,
Santos Israel e Gualtiero,
São Teobaldo,
São Lourenço de Dublino,
São Pedro Fourier,
São Vicelino,
Santo Estanislau Casimiritane,

Santa Juliana de Cornelión
Santa Catarina Thomas,
Santa Bona,

Beato Alano de Solminihac,
Beato Olegário bispo,
Beato Bonifácio bispo,
Beato Emérico bispo,
Beato João Rusbróquio,
Beato Maurício Tornay mártir,
Beato Hermano bispo,
Beata Aléxia le Clerc

Todos os Santos Cônegos que não foram invocados,
Todos os Santos e Santas de Deus.

Sede-nos propício,
R/. perdoai-nos, Senhor.

Sede-nos propício,
R/. ouvi-nos, Senhor.
De todo o mal, livrai-nos, Senhor.
De todo pecado,
Da vossa ira,
Da morte repentina e imprevista,
Das ciladas do demônio,
Da ira, do ódio e de toda má vontade,
Do espírito de impureza,
Do raio e da tempestade,
Do flagelo do terremoto,
Da peste, da fome e da guerra,
(Do perigo iminente,)
Da morte eterna,
Pelo mistério da vossa Encarnação,
Pelo vosso Advento,
Pela vossa Natividade,
Pelo vosso Batismo e santo jejum,
Pela vossa Cruz e Paixão,
Pela vossa morte e sepultura,
Pela vossa santa Ressurreição,
Pela vossa admirável Ascensão,
Pela vinda do Espírito Santo Consolador,
No dia do Juízo,
Pecadores que somos, nós Vos rogamos, ouvi-nos.
Para que nos perdoeis,
Para que nos favoreçais,
Para que Vos digneis conduzir-nos a uma verdadeira penitência,
Para que Vos digneis governar e conservar a vossa Santa Igreja,
Para que Vos digneis conservar na Santa religião o Sumo Pontífice e todas as ordens da hierarquia eclesiástica,
Para que Vos digneis humilhar os inimigos da Santa Igreja,
Para que Vos digneis conceder aos reis e príncipes cristãos a paz e verdadeira concórdia,
Para que Vos digneis conceder a paz e união a todo o povo cristão,
Para que Vos digneis atrair à unidade da fé todos os que estão no erro, e conduzir todos os infiéis à luz do Evangelho,
Para que Vos digneis confortar-nos e conservar-nos no vosso santo serviço,
Para que Vos digneis elevar as nossas almas a desejar as coisas do Céu,
Para que Vos digneis retribuir a todos os nossos benfeitores, dando-lhes a eterna felicidade,
Para que livreis da condenação eterna as nossas almas, as dos nossos irmãos, parentes e benfeitores,
Para que Vos digneis dar e conservar os frutos da Terra,
Para que Vos digneis dar a todos os fiéis defuntos o descanso eterno,
Para que Vos digneis atender-nos,
Filho de Deus,
V/. Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo,
R/. perdoai-nos, Senhor.

V/. Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo,
R/. atendei-nos, Senhor.

V/. Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo,
R/. tende piedade de nós.

V/. Jesus Cristo, ouvi-nos.
R/. Jesus Cristo, atendei-nos.

V/. Senhor, tende piedade de nós.
Jesus Cristo, tende piedade de nós.
R/. Senhor, tende piedade de nós.
V/. Pai-Nosso (em voz baixa).
V/. E não nos deixeis cair em tentação.
R/. Mas livrai-nos do mal


Oremos

Deus Eterno e todo Poderoso, ao celebrarmos a memória de todos os Santos que professaram a vida canonical, fazei que auxiliados pela intercessão deles, possamos chegar até Vós, que sois a fonte e prêmio de toda santidade. Por Nosso Senhor Jesus Cristo na unidade do Espírito Santo. Amém!


Organizador: José Wilson Fabrício da Silva





quinta-feira

A loucura da Cruz


Um lindo texto para ser lido e refletido, lavrado pela mão de Pe. Julio Maria Lombaerde. Agradeço ao amigo Rodrigo Cassio pelo envio.

* * *

Verdadeiramente, nós somos loucos, mas loucos de amor por Jesus Cristo. A obra prima da alegria é a Cruz de Jesus Cristo. Esta cruz, que aos olhos do século parece não ser mais que o símbolo da tristeza, do sofrimento e da dor, é, na realidade, o requinte da ventura; e essa loucura de que fala o apóstolo São Paulo, a do cristão que procura assemelhar-se a Jesus Cristo e por Seu amor se torna como que louco, essa loucura é verdadeiramente o supremo arroubo da felicidade.

Sei, o século não entende assim: um Deus flagelado, ferido, ensangüentado, crucificado, morto, parece-lhe um símbolo absurdo. O homem que o cobre de beijos e lágrimas, que pelo repúdio de sua vaidade e de seu orgulho, pela renúncia de suas paixões, que procura reproduzir em si a Cruz de Jesus Cristo, parece-lhe o cúmulo da loucura.

Que importa, porém, os pensamentos do século?! Se na terra já houve uma alegria completa e inefável, a do Amor Crucificado; se as criaturas humanas já foi dado algum antegosto da felicidade, que ardentemente desejam, elas o acharam no contato com Jesus Cristo.

O mundo físico tem muitas alegrias: a vida, a saúde, a força, o espetáculo das cenas variadas da natureza, o aspecto das montanhas, a extensão dos mares, a beleza das planícies, os brilhos do sol, os próprios ruídos da tempestade são fontes de prazer para o homem.

O mundo intelectual tem muitas alegrias: o simples exercício das faculdades do espírito, a rapidez, o fluxo e o refluxo dos pensamentos, os encantos da poesia, as harmonias da música, os atrativos da forma e da cor, a pintura, a escultura, a arquitetura são para o espírito e o coração do homem fontes de emoções deliciosas.

O mundo moral tem muitas alegrias: o amor da família, da pátria, da humanidade; as tranqüilas afeições do lar; os afetos ardentes da juventude; as profundas meditações da idade madura; uma grande esperança que se alimenta; uma grande vitória que se conquista - tudo isso é para o homem perene, inesgotável manancial de alegria.

Pois bem; resumi numa só as variadas alegrias do mundo físico, as alegrias variadíssimas do mundo intelectual e moral; resumi num só todos os gozos puríssimos da inteligência, todos os prazeres mais delicados da imaginação, vós não tereis senão uma pálida sombra desta infinita alegria que se chama - a Cruz.

Strauss escreveu: - "A Cruz com um Deus morto pelos pecados dos homens é para os crentes não somente o penhor visível da redenção, mas também a apoteose do sofrimento. É a humanidade na sua forma mais triste, com todos os seus membros dilacerados e quebrados; a perfeição do cristão e a maldição do mundo. A humanidade moderna, satisfeita de viver e operar, não pode mais achar em tal símbolo a expressão de sua consciência religiosa; e conservá-lo na Igreja é acrescentar mais uma razão às muitas que já o tornam incapaz de existir. A Cruz é um anacronismo, um sinal de decadência e caducidade".

Que ignorância! A Cruz, o poema predileto da humanidade, é o símbolo que se encontra ainda nos lares, em milhares de corações e em todos os túmulos; a Cruz é o alívio do desventurado, a esperança do moribundo. Na alegria ela enternece; na tristeza ela consola; até mesmo no cemitério, nas sombras da morte, a Cruz é um penhor de vida!

Mas a humanidade ama ardentemente o gozo e o prazer; de fato, ela não procura senão a felicidade. A Cruz, portanto, é só aparentemente a apoteose dos sofrimentos; e a maior das felicidades humanas é a dos corações crucificados.

A Cruz é a obra prima da alegria, porque ela é obra de Deus, e Deus é alegria infinita; e compreende mal a criação, mesmo depois da queda primitiva, quem supõe que a dor representa nas obras de Deus mais que um papel secundário.

No mundo físico não é a dor que prepondera: ninguém pode descrever o número, a grandeza e magnificência de suas alegrias, que envolvem o globo inteiro.

No mundo moral, sem dúvida, existe a dor; mas ela procede da prevaricação do homem, e não de Deus, cuja bondade aponderou-se dela, transfigurou-a, e de tal sorte transformou-a, que a dor tornou-se para o homem, na condição em que ficou colocado depois da queda, uma condição da alegria.

É uma alegria a dor que o homem sente vendo o que há de irregular no mundo físico, de trágico e triste no mundo moral. É uma alegria a dor do arrependimento, a contrição dos pecados, a resignação na desgraça, a paciência no infortúnio, a conformidade com a vontade de Deus em todos os estados e condições da vida. É pela dor que a criação reassume a sua alegria; e por isso a dor entra em tudo que há de dramático e patético na vida humana; e por isso glorificar a dor é uma das mais altas funções da música, da pintura e das escultura; e por isso para a humanidade nada tem interesse real se não tem alguma relação com a dor; e por isso a dor é verdadeiramente para a vida de cada homem uma condição necessária de sua alegria.

Onde, porém, perguntareis, colocar a alegria numa vida como a de Jesus Cristo? Onde ver a alegria naquela Cruz?! Pois a Paixão do Homem-Deus não foi o sumo da dor, e por consequência exclusão de toda alegria?!

Sim; a Paixão de Jesus Cristo foi uma dor real, completa e tão vasta que abrangeu toda a Sua vida, desde o primeiro vagido do Presépio até ao derradeiro gemido do Calvário. É só aparentemente que se distinguem o berço do menino Deus e a Cruz do Varão de dores; na realidade se confundem a manjedoura de Belém e o monte Calvário. Para o menino, pela ciência completa de Sua alma e o pleno uso de sua razão, a previsão de Seus opróbrios e ignominias, de Seus sofrimentos e de Sua morte era já uma paixão substancial.

Se as dores físicas da Paixão não Lhe torturavam já os músculos, os nervos e a carne pela vivacidade da Sua previsão dava-Lhe um horror e tremor correspondentes. Aliás, os sofrimentos da santa infância, agravados pela fraqueza física e a impossibilidade voluntária de as fazer conhecer, foram em Jesus Cristo dores físicas perfeitas. Quanto as dores morais, a santa infância é em toda a realidade o começo da Paixão: o presépio é o Calvário que começa.

Exterior e interiormente, Nosso Senhor sofreu desde o primeiro instante de Sua vida terrestre. Derramou lágrimas, sentiu frio, fadigas, terrores, o desprezo e a perseguição dos homens, e todos os tristes resultados da pobreza e do silêncio a que voluntariamente se condenou. Nasceu fora dos muros de uma cidade, súdito de um imperador romano; ainda menino, teve necessidade do exílio para escapar ao furor de um déspota; os elementos, que Ele próprio tinha criado, o sol, o vento, a chuva, molestaram o Seu corpo infantil; a Sua infância reuniu todas as condições da pobreza, e o pleno uso de Sua razão, a plena ciência de Sua alma, sem dúvida Lhe tornaram penitências cruéis todas as fraquezas que em nós são o resultado do pecado, mas nEle eram os mistérios da Encarnação.

A vista interior que Ele tinha dos pecados de todos os homens; de suas perfídias e ingratidões; das vicissitudes de Sua Igreja; dos combates improfícuos do Amor Divino pela salvação de tantas almas que recusaram, que recusam e que hão de recusar tantos testemunhos da Sua misericórdia, aumentavam sem dúvida, esses sofrimentos exteriores da santa infância.

Onde, portanto, ver a alegria numa existência tão atribulada e na qual ainda mesmo os sofrimentos futuros não eram simples profecias, eram já uma paixão substancial?!

Pois a alegria está ali, a maior das alegrias que tenha feito na terra palpitar um coração. A todos os instantes, desde o Presépio ao Calvário, durante mesmo o abandono na Cruz, e não obstante todos os sofrimentos da Paixão, Jesus Cristo era bem-aventurado, era perfeitamente feliz, Sua alma palpitava de alegria.

Parece-nos impossível no coração de Jesus Cristo a harmonia de uma tão grande alegria com uma tão grande dor; mas isso somente porque não compreendemos as operações das duas naturezas - divina e humana- numa só pessoa, nem compreendemos a dupla vida de viajor e compreensor que a alma de Jesus levava na terra.

Mas a razão esclarecida pela teologia nos diz que a alegria em Jesus Cristo não foi menos real que a dor. A dor teve uma revelação exterior - a Paixão; e por isso vemo-la melhor. Como, porém, poderemos compreender a vida de Jesus Cristo sem a alegria?

Ele era na terra o próprio Verbo revestido da nossa natureza; era o próprio Deus, e não podemos compreendê-lO senão como uma imensa alegria.

Deus é a bem-aventurança, a perfeição, a felicidade, a alegria; e o Verbo de Deus não é senão a infinita alegria do Pai substancial e perfeitamente reproduzida no Filho, unidos ambos por um amor substancial, que não é também senão um coninfinito de alegria.

Mas, se Deus é alegria, tudo que procede de Deus não pode ser senão a alegria.

A criação foi a primeira efusão da alegria; a redenção a segunda, porque a redenção não se fez senão para que o mundo reassumisse o seu destino primitivo.

Sendo o Verbo o próprio Deus e sendo Deus uma infinita alegria, esta alegria que se comunica a todas as Suas obras comunica-se também à Sua humanidade santa.

Que inefáveis alegrias as do Verbo encarnado!

Alegria da perfeição da Sua humanidade; do pleno uso da Sua razão; da perfeita ciência da Sua alma; da Sua soberania e realeza sobre a criação; da completa visão que Ele tem de Deus; da perfeita adoração que Lhe presta; do Seu amor pela Mãe Imaculada que Ele próprio criou; pelos homens Seus irmãos, que veio resgatar; pela Igreja, Sua noiva, que veio esposar; pela própria Cruz, que, desde o primeiro instante da Sua vida terrestre, plantava com gozo inefável no centro do Seu coração, como o símbolo da Sua vitória e o emblema da redenção!


O Criador no seio da Sua criação! Um homem perfeito compreendendo todas as leis do mundo físico, todos os mistérios do mundo moral!

Uma alma humana tendo a visão de todos os enigmas do universo; de todas as vicissitudes da humanidade! Nada Lhe sendo desconhecido no passado, no presente, no futuro!

Ele vê todos os séculos futuros; vê o combate improfícuo de todas as civilizações contra a Sua Cruz; vê o desenvolvimento sucessivo e completo da Sua obra, as Suas vicissitudes, os seus triunfos; vê em toda a série de idades os Seus milhões de adoradores; os milhões de súditos de Sua Mãe; vê a vitória decisiva e final da Sua Igreja; vê, enfim, glorificada a nova humanidade, de que Ele foi o Salvador!

Que alegrias inefáveis! Que júbilo infinito!

Por isso é feliz nas Suas próprias dores; por isso Ele encontra a alegria na própria presciência de Sua Paixão; por isso, ávido, como Ele próprio o dizia, pelo batismo de sangue, na Agonia do Jardim, antecipa o Seu sacrifício e na Cruz do Calvário sacia a sede do Seu amor!

Vede: a Cruz, que aos olhos do século parece não ser mais que um símbolo de tristeza, é, entretanto, a obra prima da alegria; e, portanto, a maior das felicidades humanas é essa loucura de que nos fala São Paulo.

O século sempre entendeu esta loucura erradamente, servindo-se dela para zombar da fé, caluniar o cristão e apresentá-lo como o refugo da natureza humana, cuja ciência consiste em bestializar a inteligência, obliterar o sentimento e atrofiar o coração.

Nunca foi esta a doutrina da Igreja, que, bem longe de assim entendê-lo, quando, no século 17, homens saídos de seu seio, mal interpretando as palavras do Apóstolo, fizeram uma guerra encarniçada à ordem natural, à razão humana, ao desenvolvimento da inteligência e às necessidades legítimas do coração, condenou essa doutrina - o Jansenismo - e reprovou a sua moral.

A loucura da Cruz, como a entende a Igreja, não é, pois, a mutilação do homem; não é a renúncia de seus sentimentos, nem do que eleva o seu espírito, dilata o seu coração e alegra a sua vida.

A doutrina da Igreja, é que a Graça não destrói a natureza: purifica-a, aperfeiçoa-a.

Santo Agostinho dizia que a Encarnação não é senão um vasto sistema higiênico e curativo para a natureza humana; e, se bem compreenderdes este pensamento do egrégio doutor da Igreja, vós tereis a justa idéia do que seja a loucura da Cruz.

Nas práticas da vida cristã, nas humilhações do homem que quer purificar-se, há uma espécie de loucura; mas loucura somente para os instintos depravados da natureza corrompida. Como em todo remédio há uma parte por assim dizer ignóbil, vil, desprezível, repugnante à natureza; há também isso no aparelho curativo da Igreja.

O homem é também doente do espírito e do coração; e os remédios de que precisa esta sua enfermidade são, como os do corpo, duros, amargos, repugnantes à vaidade e ao orgulho.

É uma loucura humilhar-se, abater-se pedir perdão das ofensas, amar os inimigos?! Pois é a loucura da Cruz!

É uma loucura ser casto, renunciar aos gozos animais, rivalizar com os anjos?! Pois é a loucura da Cruz!

É uma loucura repudiar a avareza a ambição da glória, o furor do bem-estar?! Pois é a loucura da Cruz!

Reparai, porém: esta loucura é um verdadeiro remédio, porque nos despoja do velho homem, restaura as partes nobres da nossa natureza, que só se purifica e regenera pela crucificação, isto é, pelo aniquilamento de suas partes más.

E não foi essa loucura que regenerou o mundo, quando, num momento solene da história, para libertá-lo da gangrena romana, foi preciso lavá-lo no sangue das virgens, dos confessores, dos mártires?!

E, hoje, que falta ao nosso século? É justamente a loucura da Cruz!

Porque o homem moderno é tão vaidoso, tão cheio de ambições, tão sensual, tão rebelde? Porque não ama a Cruz de Jesus Cristo e zomba do cristão que procura reproduzi-la em si? Porque na política a impostura, a mentira, a perfídia? Na ciência - o orgulho, na literatura - a luxúria, nas artes - a prostituição do belo, o repúdio de todas as formas nobres da imaginação? Porque o estadista, o sábio, o filósofo, o poeta e o artista não conseguem fazer feliz a humanidade moderna?

Percorrei o mundo inteiro, batei a todas as portas; perguntai aos homens, nos palácios ou nas choupanas, se eles são felizes; e um gemido doloroso saído de todos os corações vos responderá: não, não somos felizes.

Mas porque o homem moderno, no meio de tantos esplendores da civilização material, é verdadeiramente desgraçado?

Porque ele não ama a Cruz de Jesus Cristo.

Vós, homem moderno, podeis pretender todas as glórias: a de terdes surpreendido, com um pedaço e vidro, o infinitamente pequeno nas profundezas da terra, o infinitamente grande nas profundezas do céu; a de terdes dado aos vossos olhos o prodigioso óptico poder de verem no solo o arbusto crescer, a verem no espaço o astro girar; a de terdes reunido nas vossas exposições universais as riquezas espalhadas pelo globo; a de terdes consorciado nos vossos museus as faunas e as floras do mundo inteiro; a de terdes pelejado com os seus ventos e tempestades, medido mesmo a profundeza dos seus oceanos.

Há uma glória, porém, que vós não podeis reclamar: a de terdes medido a inanidade dos vossos prazeres, domado os ímpetos do vosso orgulho, medido a profundeza incomensurável da vaidade universal, que não deixa ver na Cruz de Jesus Cristo a salvação do mundo, e na loucura da Cruz - a sabedoria verdadeira!

Fonte: A Paixão pelo Pe. Júlio Maria de Lombaerde, cruzada da Boa Imprensa - Rio, 1937